Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXII)

São Paulo, 19 de setembro de 2043

Netos queridos, hoje, senti uma preguiça do tamanho do mundo. E, por ser dia de assinalar aniversários do Sérgio, do Everton e do Mestre Paulo, que faria 102 anos em 2023, aproveito o conteúdo de uma cartinha para ele enviada do Recife, vai para mais de vinte anos. 

“O que poderei dizer de ti, querido Paulo, e já tudo foi dito? Talvez apenas dar-te boas notícias. 

Mão amiga deu-me a conhecer um artigo, que faz jus ao teu “tu já lê… e tijolo”. Porque acredito que também gostarias de o ler, dele transcrevo alguns excertos. 

Diz-nos a sua autora, uma educadora do Sul do Brasil: 

“Escrevi esta carta. Sei que ela enfrenta uma dificuldade de base para chegar aos seus destinatários – é que muitos deles não sabem ler. O grande entrave para a melhoria da qualidade educacional brasileira é o fato de que nossa população está satisfeita com nossa escola. 

Os pais estão satisfeitos, porque não vislumbram possibilidades maiores do que gerações já viveram – aprender pouco ou pouquíssimo na escola. 

Eles precisam dar-se conta de que há algo mais nessa experiência de sucesso na alfabetização e não atribuir, como um dos pais de aluno, como sorte seu filho ter tido uma professora com “tino”, no sentido de professora com uma intuição natural ou com a “conhecida” vocação para mestra. 

Queridos pais, seu filho aprendeu a ler e a escrever porque esta professora seguiu um jeito novo de ensinar, que ela está também aprendendo agora, voltando a estudar cada semana ou cada dia. 

Como vês, querido Mestre, ainda há professores que aprendem, que se apercebem da sua incompletude e sabem que o ser humano está em permanente estado de projeto. 

Cada ser humano tem o seu projeto pessoal, social. E, nos educadores, é o da reelaboração da cultura pessoal e profissional. Não sendo responsáveis por aquilo que deles fizeram, são responsáveis por aquilo que fizerem com aquilo que fizeram deles. Foi o Sartre quem o disse, por outras palavras.“

Hoje, participei num evento organizado pelo SESI. Pressinto um forte sentimento de autonomia nos educadores, cujos projetos de comunidade venho acompanhando. Tentei devolver-lhes alguma autoestima. Disse-lhes (sem demagogia) que a melhor educação do mundo está no Sul, no Brasil. 

Aqueles educadores sabem que o ato de educar é um ato político e um ato de amor. E que contribuir para a autonomia do outro é um ato de amor. 

Mas, se um professor não se interroga, se se considera pronto, está morto, pronto para baixar o corpo à terra e elevar a alma ao lugar etéreo onde te encontras, pois não morremos quando o coração para; morremos quando deixamos de amar. 

Conheci um professor insatisfeito com o seu desempenho. Ele perguntava: 

“Se eu faço um planejamento perfeito das minhas aulas e preparo belos materiais, por que será que alguns alunos meus reprovam? 

Se eu dou aulas tão bem dadas, por que razão há alunos que não aprendem?”

Certo dia, um koan (uma iluminação súbita) se lhe apresentou, incontornável, conclusão definitiva: se ele dava aula e havia alunos que não aprendiam, esses alunos não aprendiam porque ele dava aula. 

Uma profunda perturbação o invadiu, o chão fugiu-lhe debaixo dos pés. Não poderia continuar a dar aula, mas ele somente sabia… dar aula. 

Haveria outros modos de ser professor? Outros modos de ensinar? De que maneira todos poderiam aprender? 

Procurou e encontrou professores que faziam as mesmas perguntas e que não cederam ao fácil. Com eles, se envolveu num projeto de pesquisa. Juntos, conceberam e desenvolveram espaços e tempos de uma nova construção social. 

Como vês, querido Mestre, o Brasil não desiste de ti.

 

Por: José Pacheco

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