Mogi das Cruzes, 21 de janeiro de 2044
Nesta cartinha, tentarei completar o “relato” de um encontro de educadores, que marcou uma mutação no “modus operandi” do vosso avô. Contava, nessa altura quase setenta e três primaveras bem vividas. Porém, já entrado no último ciclo de vida vivida, revi rotinas instaladas.
Todos os seres humanos possuem um “modus operandi”, mais ou menos, organizado. E o vosso avô andara distraído, relativamente a um comportamento padrão de certos seres humanos. Desperto, cansado de confiar na boa-fé de oportunistas e de ser usado, usei de maior prudência nos relacionamentos seguintes. Mas, vamos lá voltar ao “relato”.
O amigo Bruno também disse o que iria fazer na segunda-feira.
“Vou criar um estado de vazio, para que possam brotar coisas aqui semeadas, vou fazer desformação pedagógica.”
Senti-me possuído por um incómodo, que não sabia explicar. Algo “não batia certo” naquele encontro. Entretanto, de Floripa chegou a necessidade de “levantamento de necessidades reais no semestre”. A “necessidade de trazer os pais, as famílias para a escola, estabelecer conexões com a comunidade, porque não é fácil juntar a galera que está à volta da escola”.
Uma “necessidade” com quatro séculos, que aquelas maravilhosas criaturas tomavam como necessidade no século XXI. Não conseguiam perceber que “a galera que estava à volta da escola era… escola. Nem entendiam que a escola, de que falavam, não era o prédio da sua “escola”, que era um nodo de uma comunidade. Exerci compaixão, me contive sem emitir juízo, pois pressenti genuína bondade nessa fala.
A Tuca, mãe do Sereno, disse que todos os presentes eram “preciosos”. Estava cheia de razão. Ela fazia parte da parte saudável do sistema. Mas nem todos os presentes eram “preciosos”.
No dia em que partimos desse lugar, onde jamais voltaria, completava-se quase meio século sobre a morte da Avó Luíza. De aeroporto em aeroporto, me mantive silencioso, descarnando por dentro.
A última frase, que ouvira no final do encontro fora:
“Não queremos Escola Pública!”
Assim mesmo. Perto do final da viagem, já algo recuperado de tristezas vãs, fui ler uma carta recebida do amigo Sérgio. Entre Bom Jesus dos Perdões e Atibaia, surgia um dos belos projetos de Escola Pública, de que tive notícia. E o Sérgio pressentia que a maldade humana rondava aquele lugar.
“Assisti a criação do Projeto Rosende. Já conhecia a Janaína, passei a conhecer Eulália, Matoso, Ana e outros… Uma luta admirável. O problema é que “quem é contra” sempre quer resultados mágicos e rápidos (que a escola velha e carcomida nunca sonhou em dar). Assisti a ataques vindos de professores de dentro, de outras escolas (um dia alguém precisará explicar a burrice que é escolas públicas competindo) e de secretários…
Pude ir, uma vez, dar uma oficina e ver como transformações são incrivelmente difíceis, porque exigem que as pessoas que as propõem já estejam mudando a si mesmo.
Por mais que haja sucessos e fracassos, concordâncias e discordâncias, sempre terei fé nos que se abrem para a transformação ocorrer, do que nos que nos erguem barricadas e nos atacam com canhões de fofocas, assédio moral, desmotivação, retaliações e outras coisas. Por fim, me desculpo. É uma necessidade de “dialogar” e diminuir a solidão que me bate, quando estou entre os adultos, na escola. Espero que não esteja sendo um estorvo. É a forma de eu tornar viva a rede social que sempre prima pelo diálogo ultra superficial.
Abraço. De Atibaia onde vivo… De Perdões onde semeio.”
Por que seria que a solidão era a sina de quem intentava fazer Escola Pública?
Por: José Pacheco
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