Viseu, 20 de fevereiro de 2044
A minha irmã Maria enviou-me os programas eleitorais dos partidos concorrentes às Legislativas de 2024. Li todos os programas para a Educação. Acreditareis, se eu vos disser que um desses programas assumia medidas, que o vosso avô havia proposto, ao longo de décadas?
Pois bem! Eu, que estava longe da pátria, que talvez não pudesse exercer o direito de voto, que já tinha passado pela política ativa e, prudentemente, dela me afastara, quase senti vontade de a voltar.
Descontando algumas premissas de origem neoliberal, citarei partes do “programa” desse partido:
“Centrar a escola em cada aluno, assegurando a integração entre conhecimentos de áreas do saber;
Promover a criação de verdadeiras escolas livres, usufruindo da autonomia e flexibilidade curricular e construindo na escola pública novos modelos de ensino centrados em cada criança e jovem;
Criar condições para uma nova organização não baseada em turmas, mas antes em comunidades de aprendizagem;
Garantir a todos os alunos uma formação integral, com o acompanhamento de colegas e professores, que promova o conhecimento para lá das disciplinas e da divisão entre atividade intelectual e atividade manual;
Manter todas as modalidades de ensino atuais, por forma a que cada aluno e sua família possam optar, de forma livre e respeitadora das suas opções pessoais, familiares e/ou étnicas, por aprender da forma mais adequada ao seu caso individual, nomeadamente o Ensino à Distância, o Ensino para a Itinerância, o Ensino Doméstico (…) avaliação contínua, proporcionando uma abordagem mais holística da aprendizagem;
Promover a interação com a família no âmbito da aprendizagem, promovendo a assunção de valores e princípios comuns e o respeito por eles;
Garantir a possibilidade de expansão da rede escolar, através da regulamentação e certificação de escolas alternativas e/ou comunitárias;
Reforçar a oferta educativa formal com competências cruciais para a vida no século XXI, como pensamento crítico, inteligência emocional, empatia e criatividade, essenciais para preparar os jovens para prosperar num mundo cada vez mais complexo e tecnológico.”
E a “cereja no bolo” era a recomendação de que se deveria “ter em conta a proximidade com as populações, evitando o abandono das escolas locais em favor de superescolas”. Esse partido denunciava o crime de “desertificação” do interior português, também, por via da construção de megalómanos “centros educativos”.
Isso era “música para os ouvidos”. Não hesitei. Enviei aos meus amigos e às minhas amigas de Portugal essa boa noticia, pois talvez não tivessem lido os programas dos partidos.
A minha atitude não visava sequer sugerir que votassem nesse partido. Mas, certo é que os mais reacionários programas educacionais eram propostos por partidos que ocupavam os primeiros lugares nas sondagens de intenção de voto. E o partido que apresentara o melhor programa educacional estava… em último lugar.
Após a Revolução de Abril, jovens se filiaram em partidos políticos e ascenderam na hierarquia partidária. Decorridos 50 anos, ocupavam cargos de confiança, nos gabinetes dos ministérios. Eram “doutores”, que nunca tinham trabalhado nas suas vidas. E que ditavam leis, que os professores deveriam cumprir, nas suas salas de aula.
Nos idos de vinte, a educação estava à mercê de políticos e funcionários, que impunham um modelo educacional reciclado, uma escola semelhante à de “partido único”, que foi aquela que me coube, no tempo da ditadura.
Compreendeis, queridos netos, a dimensão da tragédia?
Por: José Pacheco
167total visits,2visits today