Bonito de Minas, 28 de setembro de 2040
No final de setembro de há vinte anos, uma sondagem informava que, na cidade de São Paulo, 75% das famílias se manifestavam contrárias ao “regresso as aulas”. Em cada quatro eleitores da capital paulista, três achavam que as escolas deveriam permanecer fechadas nos próximos meses. Mas, o estado e a prefeitura reagiram de modo diferente. Enquanto o governador definia o cronograma de reabertura, já a partir de outubro, um prefeito mais sensato adiava a decisão.
Em outubro, a campanha eleitoral condicionava as decisões dos políticos. E nem sempre (ou quase nunca) essas decisões tinham respaldo na opinião pública, ou fundamentação científica. Prevalecia o oportunismo político, a demagogia, em prejuízo do interesse das crianças e em contradição com os mais elementares princípios éticos. A dignidade humana, o respeito pelas pessoas, a valorização da vida, princípios que seria suposto vivenciar em tenra idade, andavam ausentes das práticas de educação familiar, social e escolar. A decisão de “regressar às aulas” era disso exemplo.
Darcy Ribeiro dizia que o Brasil era uma sociedade com seu nervo ético rompido. O poder público não demonstrava seriedade nas intenções e gestos, não propiciava condições de uma cuidadosa prática escolar, que a situação de pandemia requeria. Ingenuamente, a opinião pública estava crente de que, aglomerando crianças em sala de aula, seria possível reatar a formação intelectual e moral dos jovens. Pura ilusão! Uma aula não formava. Uma aula formatava, conformava, deformava. A escola da aula produzia seres humanos que se apequenavam, porque a vida sem viver parecia ser mais segura.
Educar era e é, essencialmente, uma atividade ética, com efeitos indeléveis na vida das pessoas. E o impacto social do “regresso às aulas” deixou marcas, pois os burocratas reclamavam o direito à ensinagem, sem cuidar de saber se haveria liberdade na aprendizagem. A liberdade era um fim, mas também um meio privilegiado de educaçäo.
Apesar do “regresso às aulas” em precárias condições prejudicar a saúde mental dos alunos, as ordens do ministério não poderiam ser contestadas. E aos inúteis testes de matemática se somavam inúteis testes de despiste de covid-19 – O vírus entrava na escola sem pedir licença.
Medidas de segurança impunham que as turmas se passassem a chamar “bolhas”. Em muitas escolas, os alunos não tinham acesso ao pátio de recreio. Permaneciam no interior da sala de aula, ou nos corredores, durante breves intervalos. Passavam até cinco horas mascarados, circunstância atentatória de bem estar e saúde. Eram frequentes situações de alunos com dificuldades de adaptação a regras idiotas e inconsequentes. E muitas mães reagiam:
“Concordo que seja um ano muito atípico para todos. Mas, em vez de me enviar um e-mail a dar-me a entender que eu não estou a querer colaborar, o diretor deveria falar com o seu corpo docente e proibir que este tipo de situação acontecesse. Não gosto de deixar o meu filho numa escola onde, em vez de ser acolhido, é ameaçado por “professores”. Acho importante que o meu filho vá para a escola para aprender e conviver, mas não posso permitir que aconteça o que aconteceu”.
O que teria acontecido? Qual o motivo da indignação dessa mãe?
Perante algumas “desobediências” às ridículas regras impostas pelo ministério, a diretora de turma havia ameaçado os alunos nestes termos:
“Quem se comportar mal vai para o ensino à distância”.
Na despropositada ameaça, essa mãe encontrou um modo de acabar com os despropósitos… disse ao filho para se “comportar mal”.
Por: José Pacheco
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