Candal, no primeiro dia de abril de 2041

Querido Marcos,

Querida Alice,

Surpresa! Esta cartinha não é uma “arapuca” do “dia dos enganos”. É verdade. Voltei a Portugal, já perto de completar noventa anos, para vos abraçar e para participar da instalação de um museu. Isso mesmo: um museu, que documente êxitos e adversidades por que passaram aqueles educadores que pugnaram pelo direito à educação.

Aproveitei para esquadrinhar uns cantinhos da casa velha, pois sei que em alguns recantos se escondem documentos de antanho, autênticas relíquias. Entre as velharias, encontrei o rascunho de uma sequência de “tarefas para a criação de turmas-piloto de comunidades de aprendizagem”. Tem data de abril de 2004 e a sequência começa pela criação de um “Núcleo de Projeto”, dispositivo central do processo de mudança das práticas.

Esse documento estabelecia o primeiro passo de um certo retomar do desenvolvimento pessoal e profissional e da concretização de projetos. Acontecia no encontro entre professores, pais de alunos, familiares, funcionários de escolas, voluntários, que se constituíam em equipe de projeto.

Essa equipe de projeto era constituída por um mínimo de três educadores, devendo incluir professores em serviço na organização social onde o núcleo fosse constituído. Seria, também, aconselhável incluir na equipe de projeto representantes da direção da escola, pesquisadores, estagiários.

O Núcleo de Projeto era alargado a educadores que manifestassem vontade de o integrar. Considerada a escola como nodo de uma rede de aprendizagem, eram constituídas parcerias. E, tão logo o processo de mudança estivesse em curso, o Núcleo de Projeto entregaria aos órgãos de direção, gestão e administração um “Plano de Inovação”. Comunicava a criação de uma “turma-piloto”, e informava que essa “turma” tinha por referência os paradigmas da aprendizagem e da comunicação. A esse projeto não se aplicavam regulamentos fundados no paradigma da instrução, como os das secretarias.

Àquilo que é novo não se aplicam raciocínios dedutivos. Uma nova educação deveria ser acompanhada de uma nova nomenclatura. E seria necessário rever, alterar adequar os normativos a novas realidades, num processo de negociação, no diálogo.

Também se fazia a entrega de uma minuta de “Termo de Autonomia”. E, em alguns casos, uma proposta de “ação de formação”. Disso vos falarei, em breve. Se quiserdes, claro!

Há cerca de uns trinta anos, o meu amigo Wilson redigiu um prefácio a que deu o título “Uma escola do século XXI”. Respigo excertos:

“Como tantos, fui capturado pela ideia de uma “escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir” apresentada por Rubem Alves. E quanto melhor me informava a respeito mais amadurecia a vontade de ver aquilo mais de perto. Foi assim que tomei uma decisão um tanto radical: morar na Vila das Aves e matricular minha própria filha na Escola da Ponte. 

Vivi, entre 2003 e 2004, uma das mais marcantes experiências educacionais de minha vida. Como pai de uma aluna da escola da Ponte, me envolvi também com seu cotidiano, com sua associação de pais, com suas lutas, que na época não eram poucas. A comunidade escolar enfrentava disposições pouco amistosas do ministro da educação português, um enfrentamento difícil do qual a escola sempre saiu vitoriosa”. 

Em 1976, com quatro pais, criei um núcleo de projeto. Não tardou a surgir a primeira associação de pais portuguesa, após a ditadura. Durante quase trinta anos, negociamos um contrato de autonomia. Em 2004, o contrato foi celebrado. E a comunidade passou a dirigir a sua escola.

 

Por: José Pacheco