Poá, 1 de agosto de 2041
Fiquei perturbado, após ter conversado com um jovem professor, que era a personificação da amargura. Confidenciou-me que estava a pensar em mudar de profissão:
“Estou a pensar mudar de profissão. Na escola, os outros professores nem me querem ouvir. E, na última aula, eu saí desesperado. Deram-me uma turma com mais de trinta alunos. Nem mesas há para todos, naquela sala!”
Perguntei:
“Quantos alunos tem a tua escola?”
“Cerca de seiscentos” – respondeu.
“E quantos professores?”
“Mais de setenta”.
Fiz uma divisão simples e concluí que havia menos de dez alunos por cada professor.
“Então, por que há turmas com mais de trinta alunos?”
“Você sabe por quê! Ou não sabe? Tudo continua igual. Os professores não conseguem dar aulas aos alunos dessas turmas. Os meus colegas dizem que os alunos podem estar a pensar em tudo menos no que o professor está a dizer, mas o que importa é que não os aborreçam e que os deixem dar a aula. Se não deixarem, há sempre a falta disciplinar. Rua com eles!”
“E o que fazem os outros professores da tua escola, os teus colegas?”
“Os outros? Quais? Na sala dos professores, só os ouço a dizer mal dos alunos e a preparar processos disciplinares”.
Instaurar um processo disciplinar, suspender ou expulsar um aluno era tarefa fácil, era a regra. Quando puniam um aluno, os professores agiam sobre as consequências, não sobre as causas. A solução administrativa, burocrática dos problemas disciplinares era deseducativa, porque não resolvia o problema (do aluno, do professor e da escola) e impedia a aprendizagem. Não era entendida por mentes revoltadas, nem prevenia futuras e previsíveis situações de conflito.
Muitos professores vacilavam entre uma permissividade humilhante e um autoritarismo medroso. Pareciam estar receosos de exercer autoridade. Poucos a exercem com maturidade, serenidade, bondade. Se a alfabetização linguística ou a alfabetização matemática era aquilo que se sabia, da alfabetização emocional nem era bom falar! O pieguismo pedagógico usurpava o espaço onde deveria haver amor maduro. Não nos surpreendia, por isso, assistir a diálogos deste jaez:
“Professor, você não consegue entender os meus problemas, as minhas emoções! Dominar a sala de uma classe de seis anos é difícil. É muito difícil mantê-los sentados, quanto mais conseguir dar aula!
Sabemos que o problema tinha raízes profundas, no ventre e no leite materno. Conheci pais imaturos, reféns dos seus filhos, da ditadura da infância. Como uma mãezinha que se queixava de não ser capaz de “aguentar o filho”:
“Não sei o que hei-de fazer, senhor professor. Tem de me indicar um bom psicólogo. Já fui a dois, mas não gostei. Eu sei que ele só tem seis aninhos e que eu não o posso contrariar. Se eu o contrario, ele começa a chorar, a gritar. E eu já não sei o que fazer”.
Compreendido: a criancinha gritou, ganhou. Mas o que me interessava era saber da mãe da criança por que razão ela não sabia estar na mesa com as outras crianças, almoçando como as outras crianças. E a mãe da criança me esclareceu:
“O meu filho não usa o garfo e come com a mão porque no jardim infantil não o ensinaram a comer…”
Não poderíamos negar a existência de famílias desestruturadas, de pessoas que não davam conta da educação familiar. Talvez porque a não tivessem recebido na infância, não possuíam estrutura intelectual e ética para educar seus filhos, e terceirizavam a educação. O tempo que sobrava para “educar” os filhos, se eles não estivessem na escola, ou dormindo, era escasso. Não seria já tempo de cumprir a lei de bases e re-ligare a família, a sociedade e a escola?
Por: José Pacheco
168total visits,4visits today