Alto Tietê, 6 de agosto de 2041
Hoje, pela manhã, resolvi vasculhar o meu velho computador chinês (ainda funciona) e nele encontrei registros da viagem a Mogi das Cruzes. Os velhos choram por tudo e por nada e confesso que algumas lágrimas (de alegria!) desceram pelo meu rosto. Então, resolvi contar-vos, nas próximas cartinhas, o que lá fui fazer, vai para vinte anos. E, sobretudo, vos falarei das lições de humanidade que por lá recebi.
Quando o Michel me levou ao aeroporto, o amigo Wander me ofereceu uma cachaça, que a Ane afirmava ser a melhor de quantas Minas Gerais já produzira. E fez questão de ler uma carta, que uma professora havia publicado no facebook. Disse ao meu amigo que a Ana já ma havia dado a ler, na noite anterior, e que essa carta confirmava que ainda havia professores vivos em Mogi.
Nessa noite, enquanto degustávamos chocolate quente acompanhado de pão na chapa, confirmei a seriedade do André e o seu envolvimento na causa das crianças. No carro que me levou até ao hotel, a efusiva alegria da co-prefeita Pri me emocionou e mostrou que não tinha gastado o meu tempo em vão.
Em algumas secretarias de educação surgia um claro propósito de mudança, suportado em coerentes medidas de política educacional. Gente de coragem era aquela! Me devolveram esperança e me fizeram manter-me na ativa, já depois de completar setenta anos.
Mas, nos idos de vinte, habilidosas “cortinas de fumaça” enfeitavam a propaganda de empresas e sistemas de ensinagem, postergando uma efetiva assunção de projetos de mudança e inovação. As propostas de reorganização curricular reconheciam que a mudança nas práticas de gestão e nos modos de organização e funcionamento das escolas, pedra de toque da conceção do ensino básico como ensino complementar e sequencial, carecia de concretização. E, tal como o enunciado nos projetos político-pedagógicos (que a maioria dos professores nunca lera), nobres objetivos eram anunciados: “promover educação integral do estudante, seu pleno desenvolvimento como pessoa autônoma, o exercício da cidadania; investir no protagonismo de crianças, adolescentes, jovens e adultos”.
Aprazia verificar a consistência teórica dos projetos, mas o blá, blá, blá extraído de um qualquer compêndio de pedagogia em nada se assemelhava à prática das escolas. Em pleno contexto da quarta revolução industrial, as boas intenções das medidas de política educacional eram contrariadas por uma regulamentação do século XIX. Em preâmbulos feitos de eufemismos, aspas teorizantes e parêntesis supostamente caucionadores de cientificidade, o dito sistema ia deixando para os vindouros um rastro de reformas fósseis.
A meritórias intenções, como “assumir a educação como meio de promover a justiça social e a igualdade de oportunidades”, se juntava a emissão de recomendações da OCDE: “construção de um currículo do século XXI, liberdade de atuação, para garantir melhores aprendizagens, respeito pela autonomia das instituições e dos seus profissionais”.
Nesse tempo, ainda havia quem insistisse em revestir o instrucionismo com falas de belo efeito, aulas invertidas, ensinos híbridos e outros paliativos. Havia quem acreditasse que as aulas (presenciais, ou online) servissem para alguma coisa. Convidei-os para um debate fraterno, fundamentado, a partir de uma pergunta: como poderia uma escola fundada no paradigma da instrução assegurar uma prática efetiva da “metodologia de trabalho de projeto”, de “educação integral”, “aprendizagens significativas”, “desenvolvimento de competências”, ou “metodologias ativas”?
Por: José Pacheco
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