Esteiro, 6 de novembro de 2041
Nas escolas dos idos de vinte, muitos trabalhadores da educação se definiam, não como educadores colaborativos, iguais nas diferenças, mas pelo lugar hierárquico que ocupavam na estrutura social. Os professores estavam divididos até pelo quantitativo do salário. Eram trabalhadores, cujo exercício da profissão acontecia nos mesmos lugares e nas mesmas condições, mas que auferiam diferentes remunerações.
Por que razões ocultas – nenhuma evidente eu conseguia enxergar – se estabelecia salários diferentes para tarefas equivalentes? Num tempo em que tanto se discutia a avaliação de desempenho, urgia questionar princípios e práticas divisionistas. E apelar ao bom senso. Utopia?
Em Portugal, como no Brasil, a avaliação de desempenho estava na ordem do dia. Fundava-se no pressuposto de que a valorização pessoal e profissional dos educadores determinava a melhoria qualitativa do exercício da função.
À partida, a discussão era pacífica. Quem se iria opor a que fosse dada relevância à qualidade das práticas pedagógicas e das aprendizagens dos alunos, ou a que a avaliação devesse estar centrada na escola? Haveria, certamente, consensualidade.
Se a avaliação fosse, efetivamente, de desempenho, por que motivo não se deveria valorizar “o exercício de cargos pedagógicos e as atividades desenvolvidas na escola, na comunidade educativa e no âmbito sociocultural”? E o que se poderia criticar na intenção de articular a avaliação “com a formação contínua, no quadro do enriquecimento e da valorização dos profissionais, das escolas e dos respectivos territórios educativos”?
Os efeitos do “aproveitamento de módulos de formação” não eram de curto prazo, nem o acumular de créditos de formação pressupunha o aumento da qualidade de desempenho. Também não estava provado que a experiência acumulada “no decurso de tempo de serviço” conferisse maior qualidade ao desempenho.
Ao longo de mais de trinta anos, em congressos como no chão das escolas, sem querer polemizar, afirmei sem rodeios que nada se avaliou, que ninguém avaliou coisa nenhuma, e que ninguém foi avaliado. A avaliação de desempenho era retórica, nunca passou de mero ato de rotina administrativa.
Estava estabelecido que a progressão nos escalões da carreira docente (nunca alguém me soube explicar, por que havia escalões) se fizesse considerando o decurso de tempo de serviço efetivo prestado em funções docentes; pela frequência com aproveitamento de módulos de formação e… por avaliação de desempenho.
O diálogo entre os tecnocratas do ministério e os professores era de surdos. Os tecnocratas abominavam tudo o que cheirasse a pedagogia e ignoravam o discurso cientificamente fundamentado de pedagogos e sociólogos. O corporativismo sindical fazia coro com os burocratas, inviabilizando qualquer iniciativa séria de avaliação.
O blá, blá, blá teoricista sobrepunha-se ao bom senso, abafava vozes conscientes. De modo que, quando se chegava a tal ponto, a minha criança grande reagia. No decurso de uma mais do que tediosa reunião com técnicos “superiores” da função pública, rompi o impasse – contei uma conhecida fábula de Esopo.
Era uma vez… uns ratos, que viviam com medo de um gato. Resolveram fazer uma reunião, para tentar arranjar um jeito de escapar de perigos. Um rato tecnocrata propôs pendurar uma sineta no pescoço do gato. Sempre que ele chegasse perto, eles ouviriam a sineta e poderiam fugir.
O autor da brilhante ideia foi aplaudido. Mas, um rato mais ladino perguntou:
Quem irá pendurar a sineta no pescoço do gato?
Por: José Pacheco
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