Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLXXXIV)

Mendes, 5 de fevereiro de 2042

Faz, hoje, vinte anos, partimos de Mendes para Mogi. Acompanhava e ajudava a incansável brasileira Cléo na busca de diálogo, entendimento e mudança. Fomos ajudar o André, amigo merecedor da nossa solidariedade, a braços com dificuldades causadas por um obsoleto modelo de administração educacional. 

Para trás deixávamos a promessa de voltar ao lugar do “Encontro de Mendes”. No fevereiro de vinte e dois, o sonho de Darcy começava a tomar forma. Começava a demolição do aparato instrucionista. E a Maria Paula preparou o melhor de encerrar o ciclo de visitas às escolas, que iriam participar do projeto: a inauguração de um “Observatório da Aprendizagem”. 

Sala cheia de cidadãos de Mendes, de educadores, de amigos. A prefeitura fez-se representar pelo subprefeito Jiló. Esteve presente o Presidente do Conselho Municipal de Educação, vereadores e convidados. O breve discurso do jovem nonagenário Célio foi comovente. Observei a reação da Aline, as lágrimas de emoção verdadeira, que lhe caíram pelo rosto. Senti a presença de Freire, estava na companhia de educadores sensíveis, amorosos, corajosos. Estava bem acompanhado. 

Ali, havia verdade. Senti que valera a pena ter ido até lá. E prometi voltar. A Maria Paula tinha reunido uma equipe capaz de colocar a educação de Mendes no século XXI. Ali, se construía comunidade. Ali, se tentava unir o que um sistema obsoleto de ensino havia desagregado. E veio à memória o que a minha amiga Tina me fez recordar, nas palavras de um jovem centenário de nome Edgar:

“Como nossa educação nos ensinou a separar, compartimentar, isolar e, não, a unir os conhecimentos, o conjunto deles constitui um quebra-cabeças ininteligível. As interações, as retroações, os contextos e as complexidades que se encontram na man’s land entre as disciplinas se tornam invisíveis. 

Os grandes problemas humanos desaparecem em benefício dos problemas técnicos particulares. A incapacidade de organizar o saber disperso e compartimentado conduz à atrofia da disposição mental natural de contextualizar e de globalizar.

A inteligência parcelada, compartimentada, mecanicista, disjuntiva e reducionista rompe o complexo do mundo em fragmentos disjuntos, fraciona os problemas, separa o que está unido, torna unidimensional o multidimensional. É uma inteligência míope que acaba por ser normalmente cega. Destrói no embrião as possibilidades de compreensão e de reflexão, reduz as possibilidades de julgamento corretivo ou da visão a longo prazo”

Na França dos “sete saberes necessários à educação do futuro”, o Mestre Morin apontava caminhos que um visionário de nome Darcy tentou percorrer. No novembro de 1983, Mendes o acolheu. Montes Claros o vira nascer. Em Brasília partiu para junto dos companheiros Florestan e Anísio, sem ter concretizado os seus desígnios – “Meus fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”.

Atormentado pelo torpor das metástases, Darcy ainda conseguiu traduzir “tudo o que o Brasil poderia ser e ainda não era”. A escrita de “O povo brasileiro” é reflexo do convívio com as comunidades do Xingu, uma mistura de experiências colhidas na espiritualidade africana, na sabedoria e tecnologias sociais de portugueses, italianos, alemães, japoneses, judeus, árabes e outros povos, que constituem um criativo caldo cultural. Esse enorme e sincrético potencial foi historicamente “entravado pela classe dominante medíocre que impede o desenvolvimento da civilização brasileira”.

Em Mendes, chegara o tempo de o “desentravar”.

 

Por: José Pacheco

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