Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCVIII)

Sobral de Cima, 4 de março de 2042

Nos idos de vinte, o fundamentalismo era uma enfermidade que afetava muitas seitas, igrejas, religiões. Mas aquele que mais me preocupava era o fundamentalismo… pedagógico.

Chegado ao Brasil, para mais um tempo de partilha de dúvidas e saberes, li uma matéria que espicaçou a minha curiosidade. Há já alguns anos, acompanhava uma polémica alimentada por adeptos do “método fónico” e do construtivismo. Não me envolvi na discussão, porque só valia a pena gastar o nosso tempo com assuntos sérios e porque sabia que o “melhor método” era coisa que não existia.

A matéria não constituía novidade, o conteúdo era mais do mesmo, mas não resisti a comentar alguns excertos. 

Escrevia o articulista que “a linha construtivista” era “predominante na maioria das escolas”. Ficar-lhe-ia eternamente grato, se me indicasse os nomes de algumas escolas que integrassem essa “maioria”. Não indicaram.

Tendo o escriba afirmado que “o método fónico” era “priorizado em vários países desenvolvidos”, pedi que me fosse dado conhecer, também, o elenco desses países “desenvolvidos”, com a indicação do número de escolas praticantes da dita “linha construtivista”, bem como dos países considerados “não desenvolvidos” onde a dita “linha” tinha sido adoptada. Não obtive resposta.

Assim como havia fiéis, que assumiam ser “não-praticantes” das suas religiões, parecia haver “construtivistas não-praticantes”, “fundamentalistas fónicos” e muita confusão. 

Li no mesmo artigo que “seria interessante iniciar um debate sobre alfabetização, tendo em vista os altos índices de repetência na primeira série”. Estaria a assistir à reedição de fúteis debates teoricistas? Estariam os adeptos do “método fónico” a confundir a árvore com a floresta, identificando recomendações com práticas efetivas? Partiriam do pressuposto de que o que estava escrito nos projetos da “maioria das escolas” correspondia às práticas de alfabetização que, efetivamente, na maioria das escolas tinham lugar? 

Quando a Covid se foi, instalou-se novo debate sobre o grave problema dos elevados índices de analfabetismo detectados… com os “especialistas” e os “fundamentalistas” habituais. 

Nesse idos de vinte, num ponto encontravam acordo: os déficits detectados na alfabetização das crianças se deveria, segundo eles, ao fato de as crianças terem estado dois anos afastadas da escola (leia-se: prédios das escolas). 

Grave equívoco, que impedia os “fundamentalistas” de compreender que não era essa a causa do insucesso. Se um ministério da educação, verdadeiramente, pretendesse encontrar caminhos para a erradicação do insucesso e da iliteracia, não poderia correr atrás de modas pedagógicas, de negacionismos, ou fundamentalismos. 

Sempre que me perguntavam qual era o “melhor método” de alfabetização, eu respondia que o melhor método era o método que melhor resultava, aquele que melhor se ajustava ao ritmo de aprendizagem de cada aluno, aos estilos de inteligência de cada aluno, ao repertório linguístico de cada aluno. 

Nos países ditos “desenvolvidos”, os níveis de insucesso eram assustadores e o “melhor método” era o “método único”. Isto é: na raiz da crise estava um projeto, como diria o Darcy. As escolas concebiam um projeto enfeitado de “inovações”. Mas, esse projeto escrito era contrariado pela prática. As escolas continuavam a reproduzir um modelo escolar e social gerador de insucesso. Era esse o projeto, que uma administração “fundamentalista” impunha às escolas.

O antídoto para fundamentalismos seria praticar Darcy.

Por: José Pacheco

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