Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCXI)

Vale Derradeiro, 7 de março de 2042

No sétimo dia do março de há vinte anos, uma foto do André Alves, estampada nos sites da Internet, mostrava ucranianos retirando a estátua de Cristo da Igreja Cristã Ortodoxa Arménia de Lviv. As tropas russas aproximavam-se da cidade e, se já tinham bombardeado escolas e hospitais, seria possível que algum míssil pudesse atingir um templo. 

Cristo descia aos abrigos, juntando-se a mulheres e crianças que, chorando, diziam: “não quero morrer”. E a via sacra ucraniana ainda estava no princípio. 

Já se atingira a cifra de um milhão e trezentos mil refugiados da guerra da Ucrânia. Era já a maior crise humanitária na Europa, desde o fim da Segunda Guerra Mundial. 

Sempre que algum educador lamentava o drama dos refugiados, eu perguntava se não teríamos uma quota parte de responsabilidade. Morin havia escrito que a Modernidade – e, particularmente a escola da Modernidade – nos tinha confirmado numa ética individualista, que nos impedia de assumir responsabilidade por atos coletivos.

Quando, fraternalmente, eu questionava os meus colegas de profissão sobre o seu “modus operandi” e sobre as causas dos conflitos armados, perguntava, também, se isso não teria a ver com o modelo educacional por eles praticado. Escutava a inevitável resposta:

“Que queres que faça? É o sistema!”

A culpa era do “sistema” de um malfadado sistema, que os meus colegas de profissão alimentavam. Se me atrevesse a ir além de uma singela pergunta, teria de mudar de assunto, ou correr o risco de se irritarem. O “sistema” era assim, porque sim.

Talvez os meus colegas desconhecessem a existência de gente sábia questionadora do dito “sistema”, por exemplo, o Philippe. Num textinho que dava pelo título ”Pedagogia entre o dizer e o fazer”, interpelava o “sistema”. Com que direito a administração educacional manipulava o discurso das ciências da educação, para engendrar paliativos do “sistema”, mercantilizar a escola dita “pública” e impedir uma educação que substituísse a competitividade negativa pela cooperação?

Na aproximação aos princípios partilhados por Darcy e Agostinho, a escola deveria ser uma instituição promotora de desenvolvimento pessoal, no desenvolvimento de consciência ambiental e planetária, em práticas artísticas e culturais e de saúde pública, para além do mero aprender a contar, ou soletrar. Philippe sugeria que o papel do professor seria o de pôr em prática uma aprendizagem essencial, na gestão autônoma dos saberes. 

Pôr em prática! Era essa a mensagem. O Philippe era bem esperto. Muito aprendi com ele, sem conseguir chegar nem perto da sua erudição, mas transformando em prática os seus ensinamentos. 

Ele pugnava pela articulação do currículo com as finalidades da cultura escolar. Questionava a contradição entre usufruir e liberar, entre educar e emancipar. Escutemo-lo:

“Essa tensão entre teoria e prática, que constitui a grandeza e a fragilidade da Pedagogia, é, ao mesmo tempo, seu mérito e sua possibilidade de construir grandes transformações no aluno e mesmo na sociedade”. 

O Philippe acreditava que a superação da contradição pudesse ser encontrada no ético, no encontro entre o pedagogo e o “outro”. 

Se a solitária profissão de professor de sala de aula operava a transmissão do individualismo e da competição, o que poderíamos esperar a não ser uma aprendizagem pelo exemplo? Se o professor não desenvolvia nos alunos uma cultura de paz, o que deveria fazer? Delegar a sua quota parte da responsabilidade no diretor e no “sistema”, ou assumir um compromisso ético com a aprendizagem e com a educação?

 

Por: José Pacheco

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