Covilhã 12 de março de 2042
Neste dia, mas há vinte anos, o vosso avô andava por terras beirãs, envolvido nos “Debates Necessários II”, entre os quais o da gestão do tempo escolar. Permiti, pois, queridos netos que, na cartinha de hoje, eu alinhe algumas considerações sobre o episódio ontem narrado e que me lembro de ter sido objeto de conversa com o Pedro, o Bruno, a Susana e outros educadores da Covilhã.
O Egídio, protagonista do rocambolesco episódio era um professor “à moda antiga”, como gostava de afirmar. Era, digo eu, pois deixou de ser. De renitente, o Egídio passou a crente.
“Isso do ritmo de aprendizagem é treta!” – troçava o Egídio, antes da infeliz ocorrência.
“Ó Zé, deixa-te disso! Esse conceito nem consta das teses lá das tuas ciências da educação!”
É preciso que, em abono da verdade, se diga que foram muitas as tentativas que fiz para o convencer da justeza das minhas convicções. Argumentei com a evidência do biorritmo, recorri a estratégias de persuasão de êxito assegurado em casos afins. De nada me valeram as estratégias.
Em desespero de causa, dei-lhe a ler uma carta que, há alguns anos, um jovem professor enviou aos responsáveis pela direção da sua escola. O Egídio saltou parágrafos, mas ainda se dignou lê-la. Ei-la:
“A nossa escola pretende regular a entrada e saída das aulas através de toques de campainha, numa tentativa de responsabilizar os alunos pelo cumprimento do horário. Na minha opinião, é uma medida que tem precisamente efeito contrário, ou seja, desresponsabiliza os alunos.
O ser humano “programado” para executar uma tarefa é automaticamente desresponsabilizado por ela, porque a cumpre por receio das consequências.
O ser humano que temos na nossa escola ouve o toque, vai para a sala, não porque pensa que deve ir, mas porque corre o risco de levar uma falta de atraso, ou vai simplesmente por ir.
Se esta podia ser já uma razão para acabar com os toques, outra maior emerge. Se observarmos cuidadosamente o momento em que “toca para dentro”, vemos uma série de alunos imediatamente a abandonarem o que faziam, para se dirigirem para a sala, como se fossem robôs!
Os toques de campainha representam um grande contrassenso. Com esta carta pretendo sugerir ao conselho executivo o seu abandono. Para tal ser possível, a escola necessitaria de instalar relógios. E, na semana anterior ao abandono dos toques, as turmas precisariam de ser avisadas, e explicada a mudança (…)”.
O Egídio deitou à carta um olhar de desdém e não se deu por convencido:
“E, depois? O que aconteceu?”
Respondi a verdade. Que o autor da missiva teve de dar o dito por não dito e de explicar perante os seus superiores hierárquicos que a carta tinha sido “uma brincadeira”.
“Uma brincadeira de muito mau gosto, como deve reconhecer, caro colega!” – admoestaram-no os irritados superiores.
“Queiram… por favor… desculpar.” – gaguejou o “brincalhão”.
Reconheço que tanto o Egídio, como os superiores hierárquicos de então, não agiam desse modo por mero acaso. No curso que os habilitara para o exercício da profissão tinham-lhes ensinado a ensinar pela cartilha dos avós. Nunca ninguém ensinara os professores a fazer perguntas.
A prática pedagógica do professor Egídio poderia não diferir das práticas de milhares de seus colegas de profissão, mas não seria – acreditava eu – por escassez de tentativas de actualização.
Para os ingleses, “time is money”. No ritmo uniforme do ano “letivo”, era desperdício. Sabendo-se que se aprendia em ritmos diferenciados, por que se opunham os administradores do “sistema” a que os alunos pudessem aprender… no seu ritmo?
Por: José Pacheco
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