Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCXIX)

Caria, 15 de março de 2042

Naquela tarde, regressei ao hotel possuído por um estranho sentimento. Não apenas pela impressão que me ficara do encontro da manhã, ou pela gentileza do Pedro, da Sílvia, do Bruno, do Pedro. Era algo bem maior o que estava para acontecer.

Depois de um breve “papo cibernético” com a Cléo, reli uma declaração recente do amigo Nóvoa, de quem se dizia poder vir a ser ministro da educação:

“As escolas públicas – é sobre elas que incide a minha reflexão – estão inseridas em meios muito diferentes e acolhem alunos com origens cada vez mais distintas. Mas, os seus modelos de organização e as suas pedagogias são excessivamente uniformes. Para acentuar este traço, uma imensa burocracia tem vindo a tomar conta das escolas. O controlo regimental da vida das pessoas e das instituições, sempre em nome da flexibilidade e da simplificação, é a obscenidade maior das sociedades contemporâneas”.

Juntei-lhes palavras de um humanista, que era Papa. O Francisco assim se pronunciava:

“Este sistema, com a sua lógica implacável, escapa ao domínio humano. É preciso trabalhar por mais justiça e cancelar este sistema de morte”.

Às palavras destes dois seres humanos de eleição, juntei algo que eu lera, algures, em finais de novembro do já distante 2021:

“Ao longo de dois anos e com base nas contribuições de mais de um milhão de pessoas, uma Comissão Internacional independente preparou um relatório global sobre o Futuro da Educação. A Iniciativa “Futuros da Educação” foi lançada pela UNESCO, em setembro de 2019, e baseou-se num processo mundial consultivo amplo e aberto que envolveu jovens, educadores, sociedade civil, governos, empresas e outras partes interessadas. Revelou-se numa iniciativa de cariz global, para repensar que o conhecimento e a aprendizagem podem moldar o futuro da humanidade e do planeta – repensar a educação e moldar o futuro.

O Relatório, dedicado aos professores e alunos que foram perturbados pela pandemia – não foi apenas o resultado um plano, mas o resultado vivo da contribuição de todos, reforçando que a humanidade tem futuros comuns e que para forjar futuros pacíficos, justos e sustentáveis, é preciso transformar a própria educação”.

Bela e reconfortante revelação de intenções, talvez apenas bela e reconfortante. O Nóvoa iria aceitar arrostar com a gestão de um monstro burocrático chamado “ministério”? Francisco seria escutado? A “Educação do Futuro” se faria presente?

Vivíamos um tempo de atrocidades. Enquanto os Estados Unidos bombardeavam a Somália, a Rússia cometia outros crimes de guerra. Com as tropas de Putin às portas de Kiev, o presidente ucraniano apelava às mães russas e aos europeus, para que o conflito cessasse. Cadáveres eram amontoados, a fome grassava, a crise humanitária crescia exponencialmente. Uma menina de dez anos morria às mãos de soldados bêbados. Em Marioupol, dezenas de civis e de soldados foram enterrados, despejados em sacos mortuários, em valas comuns, sem urna ou cerimónia.

O vosso avô já não conseguia assistir às reportagens televisivas e às cenas de barbárie escancaradas na Internet. Sentindo-se nauseado e impotente, lhe restou encontrar-se com a Fátima da rede das escolas associadas da UNESCO, convidando-a a participar num projeto, que concretizaria as intenções anunciadas pelo Nóvoa, pelo Francisco e pela… UNESCO. 

A guerra era a expressão máxima do horror, a consequência suprema do modo como sucessivas gerações tinham sido educadas. Era a tradução plena dos valores, princípios e práticas de um sistema educacional carente de humanização. 

Por: José Pacheco

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