Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCXXIII)

Idanha, 19 de março de 2042

Encontrei num jornal a tomada de posição de uma associação de famílias com muitos filhos. Compreendi o drama dos únicos que podiam entender o largo alcance da infeliz ideia de fazer de exames e provas instrumentos de avaliação e de… reprovação. Qualquer iniciado em ciências da educação sabia que um teste era um instrumento falível. Mas, apesar de industriado nessas ciências, eu não poderia apresentar proposta de sócio, por ser pai de filho único, pelo que me restava apoiar com algumas despretensiosas sugestões a instituição dos pais de farta prole. 

Não imaginava o que seria ter onze, doze, ou treze pirralhos para criar. Presumia que fosse bem difícil para os fecundos autores de tão vasta prole fixar as datas de todos os aniversários e etariamente ordenar a descendência. Que, nisso da ordenação, a mãe Natureza sabia o que fazia melhor do que ninguém. Esses incansáveis progenitores compreendiam o drama escolar: 

“Quem não tinha unhas não tocava guitarra, e era preciso seleccionar, pôr cada macaco no seu galho. Aquela mania de mandar toda a gente à escola, como se todos fossem limpinhos e espertos, logo se viu que nunca poderia dar bom resultado. Nem todos podiam dar doutores. Teria de se apartar as águas e despachar a Tininha, que já tinha bom corpo para trabalhar e só esava para ali a estragar a turma…” 

Naquele tempo, a lei estabelecia que o aluno não poderia ser reprovado no primeiro ano, que deveriam “passar todos para o segundo”, mesmo que houvesse alguns que “não lessem nem uma letra do tamanho de um carro”. Compassiva e pacientemente, escutava professáurios dizendo:

“Cá por mim, nem se deveria esperar pelo fim do ano. Vou mais longe, proponho que sejam feitos exames semestrais. Aluno que não aprenda a ler até à Páscoa, chumbo nele! Aliás, se eu mandasse, haveria exames logo no acesso ao primeiro ano. Os que não passassem ficariam no Jardim-de-infância. Sim, porque ninguém está livre – e ainda, para mais, as famílias numerosas – de lhe calhar na rifa um miudo que (como dizem os especialistas especialmente especializados em educação especial) tenha dois ou três anos de atraso. E o que é que eles vão fazer para a escola?” 

Nessa linha de raciocínio, talvez competisse às famílias impor critérios de selecção eficientes. Face ao despautério, adotei o estilo do Jonathan Swift e expliquei aos professaurios e dadores de aula como se poderia evitar situações de embaraço, por altura do exame de acesso… ao Jardim de Infância. 

Quando estivesse para chegar o dia de a criança fazer três anitos, deveria fazer-se um exame de competências linguísticas. Imaginemos que ainda não falava na perfeição. Não teria direito à festinha dos três anos. Faria dois, pelo que as velas postas no bolinho não deveriam prestar-se a equívocos. 

Se chegasse aos dois anos e ainda não conseguisse andar pelo seu pé, não haveria segundo aniversário. Repetir-se-ia o primeiro com velinha no bolo a condizer. 

Recapitulando: saisse uma lei que obrigasse a exame de acesso à creche e exame de acesso à escola básica. Se o pimpolho não revelasse possuir os requisitos para a frequência do primeiro ano, deveria celebrar, não o seu sexto ano de vida, mas o quinto, o quarto, podendo mesmo encarar-se a possibilidade de ficar retido em idade mais precoce, fazendo anos em conformidade. 

E, se, quando chegar à idade de cumprir o serviço militar, por via de sucessivas reprovações, o mancebo manifestasse competências próprias de um púbere, não faria 21 anos, nem talvez 18 – sopraria, por exemplo, as velas do seu décimo aniversário oficial. E por aí adiante.

 

Por: José Pacheco

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