Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCXCVIII)

Montemor-o-Novo, 6 de junho de 2042

Recordo bem o primeiro fim de semana do junho de há vinte anos. Incansável, a Caetana andava num rodopio entre o belo local onde a bondade da Cristina nos tinha acolhido e a preparação dos encontros em que viríamos a decidir sobre o nosso papel nos caminhos que a educação montemorense tomaria. Prestes a concluir-se tempos perdidos, era tempo de criar condições de ultrapassar velhos condicionalismos e levar a bom porto uma desejada e sempre adiada mudança educacional. O tempo das reformas reformadas findava.

Como vos disse numa cartinha anterior, o artigo que o meu amigo Ilídio redigiu, quando estávamos no início deste século, mantinha-se atual, nos idos de vinte.

Se não, vejamos:

“Mesmo falando-se muito, atualmente, em autonomia da escola, é a gestão que tem estado no centro das preocupações das escolas e dos agrupamentos de escolas, designadamente com a instalação de órgãos, com a realização de muitas reuniões e com a elaboração de documentos escritos, como os regulamentos e os projetos. 

Se bem que as preocupações com a gestão da escola já viessem da década anterior, designadamente em torno da ideia de gestão democrática, é no contexto da reforma educativa iniciada em Portugal em meados da década de 80 que se instala no debate educacional, o conceito de gestão: o novo modelo de gestão, o regime de autonomia e gestão, a gestão local da escola, a gestão da rede escolar, a gestão curricular, a gestão pedagógica, a gestão de recursos.

Os diversos documentos que têm que elaborar – o regulamento interno, o projeto educativo, o projeto curricular etc. –, os aspectos morfológicos da composição dos órgãos de gestão da escola e as questões da rede escolar, expressas por exemplo nas preocupações com as modalidades de agrupamentos de escolas –horizontais ou verticais – invadiram as preocupações dos professores, em detrimento dos assuntos respeitantes às atividades, aos saberes e às aprendizagens escolares.

No período recente, embora sejam abundantes as referências às políticas de autonomia e de gestão local da escola, as estruturas da administração do Ministério da Educação têm criado um verdadeiro corrupio nos contextos da ação local. Por exemplo, o projeto transformou-se numa das principais preocupações da escola, mas apenas nas suas dimensões formais e instrumentais. 

Como temos vindo a observar, os professores viram-se obrigados a elaborar o projeto educativo de escola, o projeto curricular de escola, o projeto curricular de turma, e outros, mas em grande medida assumindo esse trabalho como um processo administrativo de elaboração de documentos escritos exigidos pela Administração e pela Inspeção. 

Do mesmo modo, no âmbito da reorganização curricular, as novas áreas – a Área de Projeto, a Formação Cívica e o Estudo Acompanhado – tendem a ser encaradas como modas, como mais uma disciplina a leccionar, como uma forma de intensificação do seu trabalho.” 

Anos a fio, o ministério tinha mandado às malvas o disposto na Lei de Bases. Os critérios de natureza científica eram letra morta. Usando critérios de natureza administrativa (e, autoritariamente, burocráticos), os legisladores insistiam em reproduzir pedagógicos vícios ornados de novas roupagens.

Quando, no Conselho Nacional de Educação, redigi o Parecer sobre uma proposta de lei que incluía a Formação Cívica, a disciplina de Preparação para a Cidadania, eu perguntara se os jovens apenas seriam cidadãos uma hora por semana, se não poderiam ser cidadãos na aula de Matemática, ou na Educação Física… 

Ninguém respondeu.

 

Por: José Pacheco

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