Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMIII)

Fátima, 11 de junho de 2042

Perguntastes por que voltei a falar tão insistentemente da Ponte. Porque encontrei no fundo do baú das velharias despojos de lutas inglórias e uns papéis de leitura reconfortante. Também, porque nunca será demais falar dessa escola, mesmo neste ano da graça de 2042, já tão distante de situações críticas, que marcaram a vida do projeto e das gentes que o gestaram. 

Nos papéis de leitura reconfortante quem fala é gente que, não participando do projeto, sobre ele se pronunciaram, pois o conheceram e estudaram. É o caso da Teresa, que isto escreveu, no início deste século (peço que perdoeis a transcrição das referências ao vosso avô, mas optei por não as apagar do texto):

“Quando as mais avançadas ideias pedagógicas apontam para a pesquisa como motor do conhecimento e do aprender a aprender, para a premência de gestão dos currículos de acordo com pedagogias diferenciadas que, partindo dos saberes dos alunos, os levem mais longe no conhecimento, para a organização de grupos heterogéneos (idade, origem social, sexo, cultura ou etnia, substrato económico) como forma de garantir que aprendizagens e trocas de saberes se façam num contexto de cidadania; quando os pares ou companheiros mais experimentados são também professores, não esquecendo o suporte de educadores atentos e exigentes; quando o envolvimento de famílias e comunidades no projeto educativo cria parcerias de excelência e de interpelação mútua…uso afirmar que alguns já o fazem.  

A Escola da Ponte tem vindo a pôr em prática, há largos anos, de forma visionária e profética, aquilo que a investigação, as ciências da educação, mas também a nossa intuição e senso comum, dizem que deve ser a escola: a Escola da Ponte é uma escola pública que faz sentido e é criadora de sentido nas vidas de pequenos e jovens cidadãos (inseridos numa comunidade que educa e se educa) que continuarão, depois de nós, o projeto de uma sociedade mais solidária, mais inteligente, mais ética… mais feliz. 

O dia mantinha-se cinzento e nevoento, mas não a expressão das nossas faces ao abandonar a Escola da Ponte para continuarmos a visita a outras escolas. Mal pude conversar com o meu amigo José Pacheco, anfitrião ocupado e, com razão, orgulhoso. Não esqueço, porém, que se manteve num silêncio atento durante a Assembleia. 

Tocou-me a sua presença discreta, recusando qualquer protagonismo, mas claramente saboreando a qualidade das interpelações que meninos e pais faziam ao Senhor Presidente. 

Continuando uma relação de profundo respeito e admiração, que se tem alimentado com a troca de livros — foi José Pacheco que me iniciou ao pensamento criativo e provocador de Rubem Alves — enviei-lhe o livro As Cidades Invisíveis que ele afirmara não conhecer. Mas conhecia, pensei, porque o projeto da Ponte era como «a filigrana de um desenho tão fino que escapasse ao roer das térmitas»

Longe estava eu de imaginar, nesta pseudodemocracia da regulação por decreto, da burocracia asfixiante, e da tomada de decisão segundo critérios meramente economicistas, que tal projeto pudesse ser posto em causa. 

Com as crianças, pais, professores e comunidade da Escola da Ponte (à qual sei que pertenço desde esse dia de janeiro de 1998) exigimos que o Projeto não se interrompa para o podermos levar a mais crianças, mais famílias, professores, comunidades. 

Como um dia que, mesmo cinzento e nevoento, não quer desistir, o projeto da Escola da Ponte levou tempo a construir e os atores deste projeto não podem interromper-se

Assim, é urgente não sufocarmos em desesperança e escolhermos lutar e acreditar.”

 

Por: José Pacheco

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