Mello, 18 de junho de 2042
O mês de junho de há vinte anos foi pródigo em encontros de que resultaram projetos perenes. Eu sempre fora bem recebido, bem tratado onde quer a minha andarilhagem me levasse, mas a hospitalidade de Celorico excedeu expetativas.
Na véspera, a Ana mostrava-se preocupada com o meu cansaço e a Alice da Residencial excedia-se em amabilidade. A mãe da Ana, temendo que eu não me alimentasse convenientemente, presenteou-me com farinheira, chouriça na frigideira, queijo, pão e vinho em quantidade tal que dava para alimentar uma irmandade.
“Deixei na mesa em frente ao quarto, para não incomodar. Se não lhe apetecer comer, hoje, leva para amanhã”.
Saí de Celorico com vontade de lá voltar. Não somente pela generosidade das suas gentes, como pela convicção de que o lugar-berço de Vergílio Ferreira iria assistir ao nascimento de uma comunidade.
“Sabe que veio mudar paradigmas, que já nos deixou um grande legado e que ficará sempre nos corações daqueles por quem passou, tenho a certeza. Se quiser recolher-se num cantinho esquecido de Portugal, no meio das videiras e oliveiras, onde passa uma ribeira e onde reinará o amor, a quinta pedagógica Nova Terra o acolherá.
Será um lugar onde crianças e suas famílias aprenderão o caminho do sentir, da sua ligação ao seu ser divino humano, para que sejam a sua melhor versão na Terra e cumpram as suas missões em amor.
O novo humano está aí, professor. A história vai mudar. Estamos novamente todos juntos. Que se cumpra a missão, desta vez.
Na manhã seguinte, nova mensagem recebi de Celorico, em resposta à minha congratulação por tão gentil acolhimento e ao assegurar que, também, seria bem recebido pela Zirinha:
“Bom dia, professor! Quando damos de coração, recebemos muito em troca e fico feliz por encontrar sempre alguém que o acolha. Já vai a caminho de Viseu?”
Indo eu com o Bruno já a caminho de Viseu, não imaginava quão difícil seria viajar naquele dia.
O placar de informação da rodoviária estava avariado, não informava o lugar onde estacionaria o autocarro que me levaria para o norte, o funcionário das “informações” fora tomar café e o Wi-Fi não funcionava. Por milagre, consegui chegar ao meu destino.
No dia seguinte, fui participar na comemoração dos cinquenta anos da passagem pela Escola do Magistério Primário. Parecia ter sido no dia anterior, mas fora há meio século que o vosso avô passara de educador-amador a professor primário.
O périplo português de junho de 2022, revelou a existência de uma nova geração de educadores decididos a cumprir a mudança, há cinquenta anos prometida.
Eu fazia apelo à réstea de energia vital, que me permitisse acompanhar novos modos de relação, novos processos de transformação, nos quais e a experiência biográfica pessoal se expandisse, à semelhança de décadas atrás. Fui ao fundo do baú e encontrei depoimentos tecidos nos círculos do tempo em que me fizeram professor primário:
“Hoje comecei por ser integrado num grupo de colegas que foi denominado “círculo de estudos”, formado por mais seis colegas. Teremos por tarefas discutir, propor, apresentar atividades desenvolvidas nas escolas. Como trabalho de «treino» o grupo debruçou-se sobre um texto «Práticas de Outras Avaliações» e eu tive que resumir uma grande parte desse texto. A seguir, ouvi as análises dos outros grupos e fiz uma pergunta sobre as várias hipóteses apresentadas para a elaboração de um Projeto Educativo. Tomei notas.”
A minha geração não conseguira ir além de utopias sonhadas. Havia naufragado em distopias. Fora uma geração perdida.
Mas, valera a pena ter começado.
Por: José Pacheco
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