Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMLVIII)

Vila Viçosa, 7 de agosto de 2042

Por vezes, era tão difícil abordar assuntos delicados e só a lucidez dos teus reparos, querido  Marcos me ajudava a traduzir o mundo em metáforas. No tempo em que gatinhavas pela casa, nada era melhor que um neto, para aumentar os meus desconhecimentos e desteorizar a vida. 

Havia uma moral implícita nas estórias que vos contava e a idealização de uma escola “alternativa”. Mas não se pense que a escola “ideal”, que eu tinha em mente, se comportava sempre como escola “ideal”. Eram as pessoas que faziam as instituições e que as… desfaziam. Havia dias em que o lado lunar das pessoas que as habitavam se revelava. Quem nos dera que certos dias o não fossem! 

Quando os professores ligavam os seus “complicadores”, jogos de poder, que considerávamos erradicados, emergiam violentos, provocavam fortes impactos no sistema de relações. Para obstar aos efeitos dessas cíclicas crises, se privilegiaram as atividades em pequeno grupo e se criou a tutoria. 

Certo dia, me pediram uma definição de “tutoria”. Dei-a, quase poeticamente: a tutoria é como um discreto ato de amor, por ser feita de respeitosos gestos. Discreto, porque, como diria Mestre Agostinho, “quando se ama, em silêncio se ama”. Respeitoso, porque quem falava de amor não amava verdadeiramente, apenas falava. No caso específico da tutoria, amar consistia em criar condições de a todos garantir o direito à educação, no amor em ato.

Ainda citando Agostinho – esteve e estaria sempre entre nós – “o que impede de saber não são nem o tempo nem a inteligência, mas somente a falta de curiosidade.” Por isso, os encontros de tutoria começavam com a pergunta: “o que queres saber?” E, porque a afetividade não é neutra, acontecia a escolha mútua de tutores e tutorados. 

Poderia ser tutor todo o educador que pudesse estar disponível, a qualquer hora de qualquer dia, para interagir com os seus aprendizes e com as suas famílias. Antes do primeiro dia de experimentação (e, depois, na véspera de cada dia de trabalho), o tutor ajudava os aprendizes a elaborar as suas planificações diárias. E recomendava-lhes atenção aos horários que deveriam cumprir e a identificar os locais onde iriam desenvolver as suas atividades. 

No final de cada dia, acontecia o “quando sinto que já sei”, os momentos de “comunicação de descobertas”, a partilha do conhecimento produzido, sob a forma de “evidências de aprendizagem”. Uma vez por semana, o tutor reunia com todos os seus tutorados, para atualização dos registro de avaliação formativa. 

Na prática de uma ética do cuidado, uma forma suplementar de tutoria poderia ser a da “ajuda entre pares” – voluntariamente, durante 15 minutos diários (limite máximo), jovens ajudavam jovens (por exemplo: os já alfabetizados poderiam ajudar aqueles que estavam a ser alfabetizados). 

O mesmo poderia acontecer entre pares de educadores. Sobretudo, quando decorrente de uma avaliação de desempenho menos “brilhante”, se formava uma “comissão de ajuda”, para ajudar o professor que “perdera o brilho” a voltar a “brilhar”. Porque cada “um de nós” era individualmente responsável pelos atos do seu coletivo.

E, como diria a Alice, aqui temos mais um exemplo de recatada “doutrinação”. Tinha razão a Alice. Mas, cada qual a entendia a seu modo. Como o avô escrevera no “Para Alice, Com Amor”: Tudo o que é predito é da natureza das coisas inertes. Porque tudo aquilo em que não cabe um pensamento divergente, confunde a semente com o gesto. Não é necessário que todos amem rosas vermelhas em detrimento do amor por outras rosas, como não se pode obrigar alguém ao amor puro.

Por: José Pacheco

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