Itaipuaçu, 13 de agosto de 2042
No tempo em que tive ofício de aluno, quando não entendia a razão de estudar determinado assunto ou de decorar uma qualquer matéria, o professor dizia-me que, um dia, eu iria a entender o motivo:
“Aprende, menino! Irás precisar. Um dia, irás precisar.”
O professor Vasconcelos obrigava-me a enquistar os malditos problemas das torneiras que enchiam e esvaziavam tanques, a recitar de cor os afluentes do Rio Zambeze, a decorar o que se sabia ser seguro sair no exame. Eu decorava sem entender, porque “era assim que tinha que ser”, e que “iria perceber porquê, um dia, no futuro”.
Mais de oitenta anos decorridos, posso afirmar que ter decorado o sistema galaico-duriense não fez de mim uma pessoa mais sábia. Ter encasquetado na memória de curto prazo as preposições simples não fez de mim uma pessoa mais feliz.
Amontoei muita tralha do espírito, a que costumam chamar currículo. Impingiram-me um sem número de conjunções e mandaram-me dividir orações, que consistia numa espécie de jogo de “roleta russa”, pois havia uma possibilidade em dez de eu acertar. Para compreender a divisão de orações, foi preciso desaprender, esquecer as conjunções impingidas. Foi preciso redescobri-las, dar-lhes sentido, para que não confundisse um “que” relativo com um “que” integrante.
Até meados de vinte, a escola dita tradicional atafulhou a nossa memória com inutilidades. E, porque o tempo de escola não dava para dar aula de tudo, não ensinaram a minha geração a questionar.
Só muito mais tarde, quando já havia abandonado a escola, houve tempo suficiente para poder apaixonar-me pela leitura e se me tornou fácil analisar orações. Sozinho, ou melhor, no diálogo com os autores, que comecei a amar, captei o ritmo da frase, aprendi a localização da vírgula, o significado do ponto final.
Extintas as certezas que me tolhiam, deixei de dividir orações – passei a partilhá-las – porque o que me atraía à leitura de um texto e me permitia a compreensão do conteúdo já não era uma certeza fundamentalista, mas uma interrogação criadora, já não era a dissecação da frase, mas a sua fruição.
Foram milhares as vezes que eu perguntei a professores se sabiam fazer raíz quadrada. Eram raríssimos aqueles que a sabiam fazer. Foram-lhes dadas muitas aulas sobre raiz quadrada e “provaram” em testes que tinham aprendido a fazê-la… Não tinham aprendido.
Eu questionava:
“Quantas vezes precisastes de utilizar a raíz quadrada nas vossas vidas?”
Ninguém precisara. E eu rematava com a pergunta:
“Então, por que razão a raíz quadrada e mais algumas centenas de noções de dúbia utilização fazem parte do currículo prescrito e pronto a vestir?”
Se, em alguma circunstância, de alguma delas eu precisasse, apenas teria de saber procurá-las, de aprender a pesquisar, de aprender a aprender. No desenvolvimento do currículo da subjetividade, concretizaria sonhos, desejos. No de comunidade, partiria de necessidades e problemas do território de contexto, promovendo a integração comunitária da escola e um desenvolvimento local sustentável. No desenvolvimento do currículo universal (ou de consciência planetária), adquiriria as chamadas “aprendizagens essenciais”.
Quando uma nova construção social de aprendizagem começou a tomar forma,
os tutores aprenderam a desenvolver currículo do mesmo modo como agiriam com os seus aprendizes. Expandiam o currículo da subjetividade, articulando-o com o da comunidade. Na partilha de conhecimento, em equipe, culturalmente se reelaborando, tendiam para o pleno desenvolvimento pessoal e social do ser humano.
Por: José Pacheco
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