Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MLV)

Mutari, 15 de novembro de 2042

E, como não há duas sem três… de novo, o Rui e a Ariana, quando ensaiaram uma “explicação” para os “segredos” da Ponte, que era segredo nenhum. 

“Ali se envolvem as crianças na gestão das atividades e das tarefas escolares a realizar, condição que visa assegurar o funcionamento dessas atividades e constituir-se como uma oportunidade para promover o desenvolvimento das suas competências de autonomia. Ali se concebe e desenvolve um complexo dispositivo de meios de intervenção educativa, que tanto pode servir para apoiar o trabalho de pesquisa, de estudo ou de resolução de problemas

A problemática da articulação entre a exigência académica e os propósitos da inclusão escolar, de acordo com esta perspectiva, adquire novos contornos, abalando-se, deste modo, a concepção que tem vindo a prevalecer neste âmbito: Aquela a partir da qual se define uma relação marcada por tensões entre o saber quotidiano das crianças e o saber escolar, sem que isso possa constituir razão suficiente para justificar a renúncia face a um ou face a outro. Uma renúncia que, a acontecer, implicaria que a Escola renunciasse a assumir-se também como um contexto educativo. Num caso, porque ignoraria o saber e as vivências das crianças, deixando-as demasiado sós, entregues a esse  confronto e, no outro, porque ignoraria, por sua vez, o potencial formativo do património cultural, cuja finalidade consiste, fundamentalmente, em permitir que as crianças se afirmem como seres humanos capazes de ler e de intervir no mundo de forma mais competente, mais justa e mais partilhada.

Deste modo, a ação educativa afirma-se em função de uma dinâmica que não é concebida em função de um dos polos que permitem configurar essa ação (aluno, professor, conteúdos curriculares), mas da relação que se estabelece entre eles. 

Uma relação que se afirma em função de um objetivo formativo, onde a centralidade do aluno implica que o professor adquira um protagonismo pedagógico inédito e o ato de aprender conduza à reconceptualização do ato de ensinar.” 

Lestes bem: “relação”! Pouco tempo após a escrita desse texto, a Ponte viu aprovado o seu contrato de autonomia. Eu fora diretor por quase três décadas. Quando deixamos de ter diretor, entregamos a direção do projeto à comunidade e outro tipo de relação se instituiu.

Já não levávamos a escola para a comunidade, nem a trazíamos para a escola. A Ponte passara a ser um nodo de uma rede comunitária. A relação que se estabeleceu no contexto dessa rede estimulava uma comunicação horizontal, fraterna, autônoma.

Da matriz axiológica da Ponte constava o valor “autonomia”. Na prática, uma autonomia relacional, em tudo oposta ao individualismo dos extremismos escolanovistas. A minha autonomia não terminava onde começava a autonomia do outro. A minha liberdade começava onde começava a liberdade do outro. 

No início do século, o projeto Fazer a Ponte já tendia para práticas caraterísticas afins do paradigma da comunicação. Formalizara o seu contrato de autonomia. Estava bem implantada no seu território. Dispunha de um conselho de direção de maioria comunitária. Instaurara um sistema de relações de efetiva participação das famílias e da comunidade, que decidia o futuro do projeto. 

Todavia, o desgaste sofrido ao longo de décadas fez-se sentir. O autoritarismo da administração educacional forçou o desrespeito de legítimas  decisões e esteve na origem de um processo de desintegração comunitária, de parcial burocratização das práticas, de perdas significativas de autonomia.

Sobre isso vos falarei.

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