Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCIX)

Algures, em 8 de janeiro de 2043

No janeiro de há vinte anos, a cupidez dos políticos e a apatia dos educadores permitiam que se instalasse no ministério mais um “modismo”. A “sobralização” do sistema poderia provocar danos irreparáveis. Poderia ser causa de normose e até mesmo de retrocesso num debilitado sistema educativo.

Consciente do risco, catei do fundo do baú das velharias e enviei aos companheiros das ciências da educação uma cartinha enviada à Alice, no dia 11 de setembro de 2007. Vos darei a ler alguns excertos.

“Neste mesmo dia de há seis anos, pássaros metálicos derrubaram torres altaneiras e semearam a morte nas terras do norte. Na mesma terra de onde partiram, num outro 11 de Setembro, mensageiros da morte que semearam sofrimento no sopé dos Andes, nas terras do sul.

É verdade, querida Alice, nos dias que sucederam ao teu nascimento, o reino dos pássaros vivia ensombrado pela compreensão de uma evidência: as sociedades que dispunham das melhores escolas eram as mesmas sociedades que produziam exércitos ocupantes e seres egoístas que, em nome do seu conforto, envenenavam os céus de todos os pássaros com gases letais.

Nesse tempo, também através da escola se perpetuavam insanos ciclos de violência e morte.

Muito antes, no primeiro ano do vigésimo século da era dos homens (no tempo de um discreto anunciar da era dos pássaros), uma andorinha enunciou uma premonição jamais consumada. Essa andorinha acreditava que o vigésimo século do tempo dos homens seria chamado “o século da criança”. Acreditava que a escola faria dos pássaros e dos homens seres mais sábios e mais felizes.

Porém, durante todo esse século, a Escola apenas reproduziria velhos rituais sem sentido. A escola dos homens não produzia humanidade, produzia bonsais humanos.

No princípio do século em que nasceste, a escola já nem sequer ensinava. Mas foi também por essa altura que uma outra gaivota (de nome Jean) explicou o que a ciência dos homens havia aprendido com as suas companheiras vindas das terras do sul. Sendo as gaivotas da nossa história pássaros “aprendizes até ao último bater do coração” ficaram presas à descrição da maravilhosa criatura. E a andorinha Jean contou às gaivotas segredos que ajudaram a melhorar a escola das aves.

Quando a proximidade do Verão impelia as andorinhas a partir, elas voavam sempre em bando, desenhando no céu a forma de um vê. Quando uma andorinha batia asas, produzia uma corrente de ar ascendente que ajudava a progressão das companheiras que voavam atrás de si.

Se, por efeito de um golpe de vento ou tentação de lonjura, alguma andorinha se afastava do bando, logo regressava ao seu amplexo protetor. E, quando a fadiga assaltava a andorinha que ocupava o vértice da cunha voadora, logo outra andorinha corria a ocupar o seu lugar.

Poder-se-ia pensar que a andorinha que voava à frente de todas as outras cortava o vento sem ajuda de ninguém. Puro engano: se perante os seus olhos se estendia o sem-fim do espaço, atrás de si, todo um bando a impelia para a frente e lhe conferia a escolha do rumo.

Aliás, enquanto durou, a ciência dos homens apurou que as andorinhas que voavam no aconchego do bando emitiam sons que animavam as que, por contingência, ocupassem os lugares da frente.”

Na manhã de um domingo de há vinte anos, enviei essa cartinha a amigos, que eu sabia serem capazes de evitar que uma nefasta “sobralização” se consumasse. Acreditava que o ministério acolhesse outras propostas de mudança e fosse sensível ao convite para um diálogo que esclarecesse equívocos

Como diria o Geraldo: quem sabe faz a hora… aprendendo a “voar em vê”.

 

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