Caldas da Rainha, 18 de junho de 2043
Quase de partida para o Sul, não deixei de visitar o meu bom amigo João, um ser humano incansável na procura da escola que os seus filhos mereciam. Tal como a Alice que, nesse mesmo dia de há vinte anos, via a sua filha a querer fugir de monótonas e inúteis páginas de “trabalhos de casa” (deixo-vos uma amostra no cimo desta cartinha).
Foi, também, nesse mês de junho que, quando já quase nada esperava de caminhos novos, uma Alma gentil me mostrou novos caminhos. Com ela os percorro, desde há vinte anos. Ela me aponta o voltar à vida com “olhos de inícios”, como aqueles que o Rubem me emprestara. Juntos, semeamos comunidades e preparamos a escola da Analu.
Pedaços de jornal, que achei no fundo do baú das velharias dava-nos conta das conclusões de um estudo, dava a conhecer uma trágica situação: nunca tantos instrumentos de comunicação havíamos tido e nunca tão solitário estava o ser humano.
Um em cada quatro brasileiros não se sentia próximo de alguém. Um levantamento com participantes com idades compreendidas entre os 18 a 77 anos, mostrava que a qualidade da rede de relacionamentos dos brasileiros era baixa e que a insatisfação nas interações sociais prevalecia.
Também mostrava que situações presenciais faziam as pessoas mais felizes, favorecendo a construção de uma rede mais ampla de relacionamento que as virtuais. Um quarto da população tinha a sua rede social empobrecida e não se sentia próxima de alguém.
Um neurocientista afirmou que o resultado não o surpreendera, mas que fora mais intenso do que o esperado:
“A baixa conectividade interpessoal dos brasileiros e o desconforto no trato com estranhos contrastam com a visão que formamos dos barzinhos lotados, mas não se engane: poucos circulam fora de suas bolhas”.
O “olho no olho” nos permitia ser mais felizes nos relacionamentos:
“A migração das relações pessoais para o ambiente digital não contribui para a formação de laços interpessoais satisfatórios e de longo prazo.”
Talvez o Brasil fosse o país com a maior taxa de ansiedade do mundo. Isso gerava uma espécie de normalidade psicopatológica, caracterizada por baixa confiança interpessoal. Apenas 5% das pessoas confiavam em desconhecidos no país, era o menor índice da América Latina e um dos menores do mundo.
Nas escolas, a solidão do professor era da mesma natureza da solidão do aluno. Uma Alma preocupada com os grandes e pequenos dramas, que na escola encontrava, tentava transformar uma cultura feita de solidão numa cultura assente na solidariedade.
A modernidade remetera-nos para uma ética individualista. Carecíamos de projetos humanos com referência a um novo sistema ético, uma matriz axiológica clara baseada no saber cuidar e conviver. Dizia-nos Maturana que a educação acontece na convivência, de maneira recíproca entre os que convivem. E Winnicott definia o ser humano como pessoa em relação, ser singular, que não pode existir sem a presença do outro.
Educar consistia em assumir responsabilidade social, solidarizar-se eticamente. Marcados pela incompletude, geneticamente sociais e geneticamente históricos, urgia criar vínculos. A arte de conviver (viver com) exigia uma atitude de abertura, o reconhecimento do outro e o respeito pela pessoa do outro. Mas onde se poderá aprender essa arte? Na Escola? Na Família? Na televisão? Na internet?
A sensível e incansável Alma me fazia lembrar palavras escritas para a Alice:
Do recanto mais íntimo de um lugar onde os homens supunham não haver lugar para a bondade e o bem-estar de todos, assomavam suaves gestos de solidariedade.
Por: José Pacheco
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