Silveiras, 3 de julho de 2043
Estávamos no agosto de 2015 e a notícia rezava assim:
“Escolas jesuítas da Catalunha apostam na renovação do modelo pedagógico para se adaptar aos novos tempos. Experiências espanholas mostram como pensam os jesuítas do século XXI”. Na mesma Ibéria católica, que havia engendrado o modelo de ensino, durante séculos, praticado pela Companhia de Jesus, o modelo era questionado.
Mostrastes surpresa, por terdes verificado que, com algumas “nuances”, a jesuítica Ratio Studiorum de 1552 pontificava em pleno século XXI. Maior surpresa tereis com a notícia, que aqui vos deixo, uma notícia que, nos idos de vinte, não havia chegado ao conhecimento da maioria dos educadores. Era lamentável que a formação de professores não os dotasse com conhecimentos mínimos de História da Educação.
Mais grave ainda era o fato de, não possuindo esse e outras áreas de conhecimento das ciências da educação, os professores não saberem explicar por que faziam aquilo que faziam. Um médico sabia por que usava um estetoscópio. O pedreiro sabia por que usava o fio de prumo…
E o que dizer do conhecimento da lei? Foram muitas as vezes que escutei professores dizendo:
“A lei não permite.”
Perguntava pela lei. Não sabiam o que responder. A lei e as ciências da educação tudo permitiam… exceto aquilo que a maioria das escolas fazia.
Sempre que os funcionários do ministério pretendiam impor o meu regresso à sala de aula, perguntava-lhes por que deveria fazê-lo. E lhes dizia que, enquanto profissional do mesmo ofício não aceitaria respostas “achistas”, ou sem fundamento legal e científico.
Eu até não tinha lido muito, mas lido o suficiente para deixar os “superiores hierárquicos” sem saber o que responde os seus “inferiores”.
Um inspetor, desistindo de me apoquentar, exigiu que eu fundamentasse a minha prática. Já não me recordo dos nomes que lhe apresentei. Hoje, lhe daria um longo rol:
Lauro de Oliveira Lima, Piaget e Vygotsky, da Psicologia da Educação; Agostinho da Silva e Edgar Morin, da Filosofia da Educação; Pedro Demo e Florestan Fernandes, da Sociologia da Educação; Lawrence Stenhouse e Celso Vasconcelos, do Desenvolvimento Curricular; Paulo Freire e Humberto Maturana, da Epistemologia; Simon Papert e Castells, das Tecnologias de Informação e Comunicação; Darcy Ribeiro, da Política Educacional; António Damásio, das Neurociências; Nise da Silveira, da Psiquiatria; Carl Rogers, da Psicanálise; António Nóvoa, da História da Educação; Anísio Teixeira, Freinet, Montessori, Steiner, Dewey, Kilpatrick, Nilde, Decroly e outros educadores escolanovistas.
O inspetor quis saber o que diziam esses autores. Com todo o respeito devido a um “superior hierárquico”, respondi-lhe que os lesse. Era só o que faltava! Ensinar o padre nosso ao vigário? Certo é que os inspetores eram cientificamente ignorantes. E os professores não aproveitavam essa fragilidade.
Regressemos à boa notícia provinda da Catalunha:
“Repensar a escola requer uma postura flexível, autocrítica e aberta às possibilidades de entender a educação a partir de diferentes pontos de vista.
Imbuídos desse espírito, diretores da Fundação Jesuítas Educação lideraram um processo de reformulação do modelo pedagógico, até então adotado.
O que motivou a iniciativa foi o reconhecimento da defasagem do sistema, incompatível com as novas maneiras de ter acesso ao conhecimento e de transmiti-lo, com as novas necessidades profissionais e com a complexidade da realidade atual.
Adaptar as escolas não seria suficiente; era preciso transformá-las.”
Por: José Pacheco
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