Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCLXI)

Nova Trento, 27 de outubro de 2040

No distante 2020, um amigo gaúcho assim se manifestava, num evento realizado em sua homenagem:

“Educação é uma coisa complexa. Não é o que o povo pensa, que basta pôr toda a gente numa sala de aula…”.

Logo na primeira vez que participamos de uma mesa de debates, expressamos a nossa mútua estima. Eu amava todos os educadores que diziam e faziam o que era preciso que se dissesse e se fizesse. Danilo Gandin era um desses educadores.

Esse Mestre era contrário ao uso de livro didático, porque a didática infantilizava os professores. Defendia uma mudança radical na forma como as escolas tratavam os seus alunos, a partir de um projeto político-pedagógico onde o autoritarismo e o conteúdo voltado para o vestibular não tivessem lugar. Era contrário à imposição do vestibular. Mas, no formato de 2020, o ENEM continuava sendo mero um instrumento de darwinismo social.

Há vinte anos, Danilo Gandin era uma das vozes mais autorizadas e esclarecidas no campo da educação. Talvez por essa razão, era quase ignorado. No Brasil desse tempo, a educação transformara-se num refúgio de canalhas e mercadores, que manipulavam a opinião pública, travestidos de inovadores.

A Hannah aprofundara o conceito de  “banalidade do mal”. E, em 2020, a teoria da Hannah era comprovada, sendo posta em prática. Os seus efeitos no campo da educação foram catastróficos. Não fora esforço de educadores conscientes e éticos, teríamos perdido uma década de transformações. Na Internet, recorrendo ao discurso das ciências da educação e deturpando esse discurso, marqueteiros da educação semeavam novas colonizações mentais. Negociavam “ensinos híbridos” com escolas particulares e com o poder público. Sutilmente planejavam a privatização da escola pública.

O planejamento do Mestre Gandin era de outra natureza. Escutemo-lo, à distância de muitas décadas:

“Existe um relacionamento quase cômico entre a atividade de planejar e a de arquivar: as pessoas que se envolvem em planejamento ortodoxo no Brasil necessitam, rapidamente, de algumas lições de arquivística. A maioria dos planos alcança, numa boa hipótese, um lugar respeitável no arquivo da instituição a que se ligam ou no de outras, cujos membros se interessam pelo estudo desses pretensiosos filhos da burocracia.

Num ano qualquer da década de 60, participando da elaboração de um audacioso plano, coube-nos, a mim e a um colega de trabalho, rever tipograficamente o texto definitivo. A penosa tarefa (eram mais de 200 páginas) interrompia-se por seguidas pausas, necessárias à nossa sanidade mental. Numa delas, durante um cafezinho, disse-me o amigo: “Vamos trabalhar com muito cuidado, pois nós seremos os últimos a ler este plano”. Nossa risada foi uma participação festiva na crença geral de que fazer planos é urna tarefa com valor em si mesma, da qual nada se espera realmente.

Não podemos esquecer o formalismo e a burocracia, que matam tudo aquilo em que tocam. Os experts fazem-nos preencher quadrinhos e formulários e nos dizem que estamos planejando. Evidentemente, nem eles mesmos levam a sério aqueles papéis e não julgam que vamos fazer algo daquilo. Mas a inconsciência e a falta de soluções os obrigam a render culto ao formalismo e à burocracia.

O planejamento trará a transparência de nossa ação, ou será burrice, safadeza e opressão. Há ainda a falta de capacitação técnica das pessoas que “planejam” ou mesmo coordenam a feitura de planos.”

Reparo, agora, que este saboroso naco de prosa ocupou quase toda a cartinha. Ainda bem, porque nada mais precisarei acrescentar.

 

 

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCLX)

Complexo do Alemão, 26 de outubro de 2040

Mais uma boca no mundo, mais um trafica chorando, lá vem mais um quase nada, mais um para chorar de fome, mais um para levar tiro, mais um bandido no morro, mais um perdido na vida… – Escutava a canção do Kleber e veio à memória alguém que conheci como a mim mesmo.

Nasceu num “cortiço”, onde havia quatro banheiros sujos e quebrados para partilhar com mais uma centena de pobres como ele. Passou a infância numa oficina de fazer vassouras, num bairro onde não entrava ambulância, nem polícia.

A família reinventava com dignidade a parca existência. O pai, que acumulava três empregos mal pagos, foi preso, injustamente acusado de roubar. A família empenhou o que restava dos poucos haveres, para provar a sua inocência. A mãe morreu jovem exausta de trabalho insano. Os avós paternos cedo sucumbiram à fome e a um surto de tuberculose. Os maternos tinham migrado da aldeia rural para a cidade grande, na ilusão de uma vida melhor. Partiram cedo desta vida, minados pelo álcool e por maus-tratos.

Estava destinado a ser líder de uma gangue do bairro. Era um dos raros que sabia ler, era hábil a resolver encrencas e a escrever cartas de amor encomendadas. Tão sagaz quanto franzino, ganhara o respeito de ciganos e marginais, que nele não usavam as facas e o defendiam de outras sortes. Com eles aprendeu a gramática da sobrevivência: agredir os gringos que na rua aparecessem e, só depois de eles sangrarem, perguntar-lhes ao que vinham.

Conviveu com todo o tipo de violência. Cedo entendeu que fora roubado todos os dias, desde o dia em que nascera. Que, enquanto os seus dormiam no chão da rua, outros dormiam sonos tranquilos.

Foi perdendo amigas para a prostituição e amigos para o cárcere. A sífilis, a fome e a bala foram ceifando vidas ao seu redor. O seu melhor amigo conheceu uma moça abastada e lá se foi, casamento de rico, sonho americano de ascensão social, que pouco durou. Sem amigos e sem futuro, pela mão de dois providenciais vizinhos, trocou a solidão pela evasão. Deles ficou devedor daquilo que nunca lhes pode pagar: o resgate de uma vida. Trabalhou para poder estudar e fez um curso – fez-se professor.

Ele sabia, melhor do que ninguém, que os criminosos não nasciam criminosos. Conhecia os mecanismos sociais que os produziam. Por experiência pessoal, também sabia que, quando a sociedade e a escola produziam exclusão, os jovens buscavam inclusão em grupos marginais.

Sensível aos dramas vividos pelos seus alunos, entristeciam-no as atitudes de professores coniventes com a má qualidade de uma escola vocacionada para manter um sistema iníquo.

Talvez porque não conhecessem a sua história de vida, os colegas de profissão se tivessem surpreendido com a sua colérica reação, quando escutou este diálogo, na sala dos professores:

“Quem pensa que é, aquele merdinhas, aquele marginal? Saio de casa para aturar esta bosta! Eu não ganho para isso!”

“Fez muito bem, colega! Eles vêm de casa desse jeito. Já nasceram assim. Esse pestinha vai ser líder de gangue. Eles não nasceram, eles foram cagados!”

Em 2020, um cúmplice silêncio ensurdecedor ocultava a “banalidade do mal”. Seria verdade que “quem nascia torto tarde ou nunca se endireitaria”? Aquilo que a psicologia chamava de “profecia autorrealizada” agiria na psique mais profunda dos professores? Sabíamos que a escola não mudava a sociedade, mas que mudava com a sociedade. Por isso, ousava perguntar: A reprodução escolar e social seria um inevitável fatalismo? A escola nada poderia fazer para a contrariar? Ou poderia fazer a sua parte?

A minha amiga Cleo fazia “a sua parte”.

 

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCLIX)

Cruz Alta, 25 de outubro de 2040

Numa cidade brasileira, agentes da autoridade deram caça a alunos que “matavam aula”. Capturaram-nos nos parques e nas ruas, ao estilo do bedel de velhos tempos. De um lado, professores esforçados e sofridos, dando aula numa escola sem sentido; de outro, matadores de aula, que não as queriam receber. Pelo meio, a caça aos matadores e a instalação de catracas.

Que feliz neologismo era o “descatracalizar”! Escutei-o na boca de um grupo de jovens conscientes do absurdo de muralhar as escolas. Escutei-o no mesmo dia em que outro jovem exclamava, durante a visita a uma escola sem catraca:

O portão fica aberto? E não tem grade? Assim, todo o mundo pode fugir!”

Como diria John Kennedy, o conformismo é o carcereiro da liberdade e o inimigo do crescimento. Libélulas morrem sob o efeito do stress do medo do peixe. Só de sentir a sua presença, elas morrem.

As escolas não são edifícios, muros, regulamentos. Escolas são as pessoas, que alimentam unidades sociais vivas, e estruturas organizacionais, que refletem um determinado regime de vida em comum, uma cultura. E como se caracterizava a cultura das escolas de há vinte anos?

Visitei muitas escolas. Iniciava a visita, quando a confusão do recreio cessava por obra de um toque de sineta e quando outros gritos se faziam ouvir, vindos das salas de aula.

Entrava no banheiro dos alunos. Por vezes, o vaso estava quebrado e não tinha descarga. Frequentemente, não havia papel higiénico, ou estava nas mãos de uma faxineira, que o distribuía em conformidade com a estimativa da necessidade do aluno que quisesse evacuar. Sabão para lavar as mãos era um bem escasso. E raramente encontrava um espelho.

Passava à visita seguinte: a biblioteca. Em tempo de aula, três hipóteses eram viáveis. Ou estava fechada, protegida por grades, com cadeado. Ou estava vazia, com uma bibliotecária, sentada num canto, a dormitar, ou a fazer malha. Se havia alunos na biblioteca, eles estavam “de castigo”, à espera de “audiência” com o diretor. Em suma: uma biblioteca era um depósito de livros, que nunca seriam lidos, ou uma antecâmara de tortura.

A terceira estação da minha via sacra era a sala dos professores. Aguardava que regressem de dar aula. Escutava as reclamações, as queixas, as explosões de cólera:

Essa merdinha nunca mais entra numa aula minha! Vai ser um lixo da sociedade!”

Concluía a visita convicto de que a escola se mantinha cativa de múltiplas violências. Confirmei essa realidade, quando descobri a existência de catracas mentais. Quando, no decurso de uma reunião, eu desocultava sutis formas de violência, o inusitado aconteceu: irritado e sem argumentos para contrapor à denúncia, o diretor da escola interceptava e fazia desaparecer papéis com perguntas, que os professores me dirigiam.

Para evitar fugas, ou impedir intrusões, muitas escolas completavam a catracalização com a instalação de detector de metais, câmeras de vigilância e sofisticados aparelhos de leitura das impressões digitais.

Ainda havia quem acreditasse que a conversão dos matadores de aula poderia ser alcançada vigiando, punindo, tentando transmitir informação moral. Que se desenganassem: os valores eram construídos em práticas efetivas. Se o “matador” se sentisse respeitado, se o vivido entre muros fizesse sentido, veria significado em permanecer na escola. Se o não fosse, que motivos teria para não “matar aula”?

Restava uma dúvida: a catraca prendia o matador de aula dentro, ou fora da escola? A catraca servia para evitar entradas, ou para proibir saídas? Em suma: para que servia uma catraca?

 

 

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCLVIII)

Corumbataí, 24 de outubro de 2040

Nas minhas brasileiras deambulações pelo chão das escolas, presenciei situações típicas da crise educacional, que se vivia nos primeiros anos deste século. Deixo-vos com dois exemplos.

Portas fechadas, a tripulação do avião avisava ser proibido o uso de celulares. Os celulares tocavam e muitos passageiros faziam ouvidos de mercador, ligando para familiares e amigos.

Quando o avião chegou ao fim da pista, nos preparativos para decolar, a aeromoça insistia:

“Minha senhora, faça o favor de apertar o cinto da sua filha”.

“Ela não deixa colocar o cinto. Não consigo convencê-la!” – e a mamã insistiu:

“Vá lá, meu anjinho, deixa mamãe pôr o cinto!”

A resposta foi uma sonora bofetada dada pelo seu anjinho.

A mamã encolheu-se. Sorriu para a aeromoça:

“Não vê que é uma criança…”

E, durante toda a viagem, sapatos sujos em cima do assento, a criança premiu o botão de chamada, arrancou e destruiu tudo a que pode deitar a mão. Impunemente.

O avião aproximava-se da manga de desembarque. Três vezes a aeromoça apelou: “Por favor, permaneçam sentados até à paragem completa da aeronave”. Repetiu o apelo em língua inglesa. Os passageiros, já levantados dos assentos, não voltaram a sentar-se.

Presumi que fossem surdos, ou que não fossem… ingleses.

O segundo episódio ocorreu numa viagem por estrada. Um jovenzinho boçal descalçou-se, inundando o ônibus de um cheiro nauseabundo. Pousou um pé no espaldar do assento à sua frente. A passageira sentiu o contacto do pé (e do odor), encolheu-se e voltou o rosto para a janela.

Tal como outros energúmenos, esse jovenzinho deveria ter andado na escola da aula. Certamente, tiveram pais, parentes e amigos. Educação não tiveram. Quem os ajudou a crescer?

Naquele tempo, não havia um projeto político-pedagógico sequer que não estivesse inscrito. “O aluno será autônomo, responsável, protagonista da sua aprendizagem, preparado para a cidadania”. Mas, as práticas de ensinagem contradiziam as nobres intenções.

A introdução de uma Base Nacional Curricular Comum espúria apropriara-se do discurso contemporâneo das ciências da educação: “competências, educação integral, habilidades”… blá, blá, blá. E um “Parecer” sobre essa lei ilegal a legitimava, replicando o teor de leis nunca cumpridas: pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania” etc. etc. etc.

Bonito discurso: “difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum”. Sublinhando-se que “na implementação do projeto político-pedagógico, o cuidar e o educar [eram] indissociáveis funções da escola (…) para o desenvolvimento do aluno em todas as suas dimensões”.

A introdução da BNCC era um verdadeiro “poema”, mas a introdução não era a base. A maioria dos professores jamais a leram. Continuariam a “dar aula” pelo manual didático, porque a BNCC era uma proposta fundada no paradigma instrucionista. E de intenções estava o inferno cheio, como diria a sabedoria popular. Existia, há mais de um século, um fosso entre a intenção e gesto. E as leis eram nados-mortos.

Metaforizemos! Os ratos se reuniram na busca de solução para as perseguições que um gato lhes movia. No plenário, alguém teve uma ideia genial:

“Ata-se um sino ao pescoço do gato e quando ele se aproximar, nós ouvimo-lo”.

A proposta mereceu o aplauso e a aprovação por unanimidade. Contudo, lá da última fila, um ratinho ousou perturbar o consenso e a satisfação geral:

“Pois é. Eu também concordo com a proposta. Só gostaria de saber quem vai pôr o sino no pescoço do gato”.

 

 

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCLVII)

Limeira, 23 de outubro de 2040

A Escola teria ensinado aquilo que o Dellors recomendara? – dirigi esta pergunta a um auditório majoritariamente constituído por professores. A resposta foi um silêncio ensurdecedor, quebrado por nova pergunta:

“Colegas, cadê os quatro pilares do relatório da UNESCO?”

O “aprender a conhecer” andava arredio do universo escolar. Quanto muito, os jovens eram depositários de informação jamais transformada em conhecimento, quase-inutilidades, que apenas serviam para debitar em provas e alcançar um diploma.

Estávamos conversados quanto ao aprender a fazer, a ser e a conviver. Um ensino livresco desprezava o desenvolvimento pessoal e social. Mas, eu acreditava ser possível que os educadores assumissem um compromisso ético com a educação, se emancipassem de lideranças tóxicas e de práticas instrucionistas.

Assim rezava uma notícia, no tempo da pandemia:

“Quatro alunos foram suspensos por terem partilhado comida no intervalo das aulas. Um dos alunos dizia que partilhara comida com um amigo, que nada tinha para comer. A diretora da escola afirmava que o aluno foi “repetidamente” avisado de que não podia partilhar nem comida, nem material.”

A diretora descrevia a situação a seu modo. O aluno descrevia-a de modo diferente. A palavra da senhora diretora parecia valer mais do que a do jovem. Um “plano de contingência” estabelecia regras, no “regresso às aulas” e um “Estatuto do Aluno e Ética Escolar” prussiano dava à diretora o direito de punir.

Ética? Qual? As práticas daquela escola não incluíam a ética do cuidar, que garantia o direito à educação. Quem puniria diretores que impunham a prática do instrucionismo, causa direta de abandono intelectual?

Nos idos de noventa do século passado, fui ajudar professores a contas com manifestações de extrema violência. No último intervalo da tarde, estudantes envolveram-se numa briga de torcidas. Roubaram a pistola a um polícia, partiram vidros. O posto médico cuidava dos feridos, quando eu cheguei à escola. Esperei que os professores se acalmassem. E perguntei:

“Existe um regulamento disciplinar nesta escola?”

Responderam afirmativamente. Pedi para o ler. Trouxeram-no e eu li-o, em voz alta. Todas as alíneas começavam pela expressão “É proibido”. Quando acabei a leitura, perguntei:

“Quem elaborou este regulamento?”

O documento fora elaborado pelo diretor e aprovado pelos professores.

“Os alunos participaram da elaboração do regulamento? Apresentaram propostas? – questionei. E li um dos itens: “É proibido fumar no banheiro”.

“Como reagiríeis a esta proibição, se tivésseis 17 ou 18 anos de idade?”

Os professores entreolharam-se. Alguns sorriram. Eles fumavam, na sala dos professores e no banheiro. Se tivessem 17, ou 18 anos, contestariam a proibição, desobedeceriam. Se os jovens não participavam na definição de regras de convivência, por que razão as deveriam cumprir?

Na década de vinte, era introduzida mais uma moda paliativa do instrucionismo: o “projeto de vida”. A secretaria de educação assim a apresentava aos alunos:

É verdade que é mais uma das disciplinas novas que você tem”.

Essa “reinvenção da roda pedagógica”, era uma caricatural reprodução de uma prática introduzida na Escola da Ponte, nos idos de setenta: o currículo subjetivo.

O “projeto de vida” seria lecionado numa determinada “carga horária” No restante tempo de cada semana letiva, ao que parece, não haveria… “projeto de vida”.

Falava-se de “educação para a cidadania”. Não se sabia que nos educávamos na cidadania, no exercício de uma liberdade responsável.

 

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCLVI)

Holambra 22 de outubro de 2040

O moço havia chegado à Ponte, expulso de outra escola e bem recomendado:

“É uma criança mimada e desobediente”.

Pendurou o seu paletó num cabide, derrubou dois e não fez menção de os apanhar. Fui ao seu encontro. Olhei para os objetos caídos, enquanto o meu braço pousou nos seus ombros, num amistoso abraço. O moço tentou soltar-se, mas o amplexo era firme. Gritou:

Não fui eu!

Fitei-o, calma e insistentemente. O moço voltou à fala, mas mais mansinho:

Os paletós não são meus!

Continuei olhando os paletós. O moço voltou atrás, apanhou-os e pendurou-os nos cabides de onde os tinha arrancado. Pelo fim da tarde, uma senhora entrou na escola, dirigiu-se ao vestiário, retirou do cabide o paletó do moço, atirando outro ao chão. Não se baixou para o apanhar… era a mãe do moço.

Nesse mesmo dia, acerquei-me do grupo, que o tinha acolhido. Já passava das dez horas e ele nada havia feito, se excetuarmos alguns pontapés por debaixo da mesa e o atirar de bolinhas de papel para as mesas de outros grupos. Sentei-me junto dele e perguntei o seu nome.

“Sou o Nuninho”.

“O teu nome é Nuno?” – quis confirmar

“Não! É Nuninho!”

“Então, passas a ser o meu amigo Nuno, está bem?”

Olhou-me de soslaio, mas não contestou.

“Por que não estás a estudar como os teus colegas?”

“Você não sabe? Na outra escola, eu não fazia nada!”

“Por quê?” – perguntei.

“Você não sabe? Eu sou disléxico!”

“Muito prazer em te conhecer! Eu sou o Professor Zé!” – me apresentei. O moço olhou-me com cara de quem pensava que eu não sabia o que era um disléxico. Continuei:

“Amigo Nuno, vais fazer o teu planejamento. Os teus companheiros vão ajudar-te. Eu voltarei, daqui a pouco, e quero ver o que já aprendeste”.

O grupo entendeu a mensagem. A pressão social operou milagres. O que eu disse não soou como ameaça, mas como persuasão firme e amorosa. O Nuninho, já promovido a Nuno, compreendeu que, perante um dito do professor, teria de optar entre fazer o que o professor dizia e fazer o que o professor dizia que fizesse. Optou por estudar. É evidente que cuidei de agir como se age com um disléxico. Mas, a dislexia não o impediu de aprender.

A Hanna Arendt dizia que as pessoas que não quisessem ter responsabilidade pelo mundo não deveriam ter filhos. E que os pais que não exerciam a sua autoridade, deixavam os seus filhos nas mãos de chefetes, que os lançavam no conformismo e na delinquência. A educação deveria começar na “domus” e continuar no seio da escola e da cidade, porque os filhos não nasciam com manual para uso dos pais e urgia assegurar o preceito de Napoleão: “a educação de uma criança começa vinte anos antes dela nascer”.

Naquele tempo, os infantes eram guetizados em instituições de rituais sem sentido, cativos de TV e computador. Seria preciso protegê-los da terceirização educacional. A escola poderia ser um lugar de reparação da deseducação, quando instituísse dispositivos de convivencialidade, num permanente e equilibrado diálogo com as famílias. A lei estabelecia que a educação era dever da família, da sociedade e do estado. O “e” era coordenativo, mas a prática educacional desse tempo era disjuntiva.

Entretanto, uma rede de comunidades de aprendizagem se formava, círculos de vizinhança surgiam. Neles, a família e a escola partilhavam a responsabilidade de educar. Em projetos de vida, nos quais a autoestima andava a par com a hetero-estima, onde cada ser humano era individualmente responsável pelos atos de todos os outros, onde a autoridade rimava com a liberdade e a firmeza rimava com a delicadeza.

 

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCLV)

Americana, 21 de outubro de 2040

Há cem anos, Fernando de Azevedo avisava: “O que é bom para os Estados Unidos pode não ser bom para nós”, mas o Brasil nunca o escutou. Vindas do hemifério norte, modas pedagógicas eram injetadas nas escolas. Se o nortear (aquilo que vinha do “norte”) sempre tinha sido regra nas iniciativas de política educacional, em 2020, acontecia o desnorte total. Predominavam orientações (de “oriente”) de natureza neocolonial.

Seria necessário desnortear, desorientar, talvez mesmo… suliar. As palavras produzem e reproduzem cultura, mas ouso discordar parcialmente da crítica feita pelo Fernando, na grata surpresa de uma exceção. Nos Estados Unidos, eu havia encontrado uma empresa onde a criatividade e até mesmo a inovação acontecia: a Khan Academy. E, no Brasil, fui assisir ao lançamento de um livro da autoria do seu criador: Salman Khan. Nesse livro, Khan falava de uma educação reinventada e fazia as mesmas denúncias do Azevedo, do Lauro e de outros ilustres educadores brasileiros.

Nesse tempo, quando alguém me dizia que não havia “feito pedagogia”, eu respondia: “Graças a Deus!”. Quem passasse pelos bancos das faculdades de pedagogia teria muito mais dificuldades de reelaborar a sua cultura profissional do que o Khan. Por não ter “feito pedagogia”, esse analista financeiro dizia-nos que o velho sistema estava fracassando e precisava ser repensado, que a educação teria de mudar. Dou-vos a ler palavras de Salman Khan, inscritas na sua obra “Um mundo, uma escola”:

“A lição tradicional age contra os objetivos da educação pública (…) A aula acaba por se revelar um meio ineficiente de ensinar e aprender (…) A minha ideia de educação nunca foi a de que ela estaria completa com uma criança assistindo a vídeos no computador e resolvendo exercícios. Muito pelo contrário. Sempre sonhei em ser mais do que um recurso online. Sentíamos que estávamos em um ponto da história em que a educação podia ser repensada”.

Talvez afetados pelos vícios de que padeciam os seus “superiores”, ou por medo de perder o emprego, a maioria dos professores adotava “vídeo-aulas do Khan”, para exportar inúteis “atividades”, em aulas síncronas e assíncronas, perenizando as práticas que Salman Khan criticava. Aqueles que afirmavam tê-lo como referência apenas faziam cosmética pedagógica. “otimizando” o modelo prussiano de escola. Se alguns professores usavam vídeo para mehorar a sua prática, outros usavam os vídeos do Khan em inúteis aulas presenciais e online.

Secretarias de educação brasileiras injetaram doses maciças de tablets no quotidiano da escola, reforçando a prática da mesmice em versão digital. Há cerca de uns vinte anos, encontrei nos armários de uma escola centenas de tablets, que nunca tinham sido usados. Também encontrei os chamados “laboratórios de informática” convertidos em lixo digital.

Por que se insistiria no uso de plataformas digitais de ensinagem e em dotar cada aluno com um laptop? Para gerar monstrinhos adoradores de tela, na mera substituição do livro didático pelo computador?

Voltemos à leitura do livro do Khan. Ele nos convidava a acabar com a escola de sala de aula, da turma, da série, da prova… do instrucionismo. Porém, um sistema educacional nas mãos de uma administração burocratizada exercia seus podres poderes, impondo às escolas a utilização acrítica das tecnologias digitais de informação e comunicação. Na contramão do desperdício, havia quem preferisse ver o “copo meio cheio”. À margem do desperdício, se abria caminhos de utilização humanizadora das novas tecnologias.

 

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCLIV)

Mogi-Guaçu, 20 de outubro de 2040

Por duas vezes e em situações atípicas, os nossos alunos recorreram ao estilingue, para… finalizar projetos.

No final dos anos setenta, o centenário e decrépito edifício da Escola da Ponte ameaçava ruir. Tinha sido reinaugurado em 1918, conforme atestava a lápide afixada na parede de estuque esburacado.  No tempo da ditadura, havia sofrido melhoramentos, mas o cupim apostava em acabar com o que restava das madeiras. O soalho, também de madeira, era como um campo de golfe, mas com mais buracos. Sentindo a necessidade de instalações adequadas ao projeto, os pais dos nossos alunos reivindicaram a construção de uma escola de “área aberta”. E o velho edifício foi demolido. Entretanto…

O ano letivo começara, há mais de um mês e nós começávamos a perder a paciência. A obra estava concluída e nós permanecíamos reclusos num precário barracão, que fora erigido pelos pais e que funcionou como escola, durante dois anos. Obra acabada e sua excelência, o presidente da edilidade, não se dignava “agendar” a solene inauguração.

Para grandes males, grandes remédios. O Neca Serralheiro trocou a fechadura e nos instalamos no novo edifício. Por volta das dez horas, uma campainha se fez ouvir. Fomos procurá-la. Fora instalada junto ao telhado, inacessível. O Zé Gaio sugeriru que se fizesse um “concurso de estilingue”. Assim se fez. E, à décima tentativa, o Tónio Morcego acertou no aparelho. A pedrada definitiva fez calar a sineta elétrica. Se não fazíamos “intervalo”, para que serviria o incômodo barulho?

Encerremos este nada edificante relato e passemos ao segundo episódio.

Ao chegar à escola, após a interrupção de atividades letivas, deparei com duas velhinhas. Pensei que pretenderiam matricular alguma criança. Mas, ao reparar que uma delas estava de braço ao peito e a outra com um olho inchado, indiquei-lhes o caminho para o posto médico. Retorquiram:

“Nós não queremos ir ao médico. Já lá fomos. O que queremos é falar com os professores”.

Apresentei-me como professor da escola e logo fui invetivado:

“Foram os vossos alunos que nos puseram neste estado!”

Acalmei as velhinhas e escutei as suas queixas.

Junto à escola, uma lixeira a céu aberto levava mau cheiro e pernilongos para dentro da sala de aula, que ainda as havia, naquele tempo. E as crianças conceberam um projeto, para se livrarem do incômodo. Afixaram cartazes de sensibilização:

“Por favor, não jogue o seu lixo neste local”.

Perante a insensibilidade dos utentes da lixeira, cartazes de denúncia foram afixados:

“O Manel da Passarada é porco”. “A dona da farmácia joga restos de medicamentos na lixeira”.   

Nada adiantou. E fomos celebrar o Natal. Esquecemo-nos de um pormenor: as crianças levavam muito a sério os seus projetos. E levavam-nos até ao fim, até alcançar o objetivo. No primeiro dia de “férias”, dado que a sensibilização e a denúncia não resultaram, montaram um piquete e se emboscaram, atrás do muro da ecola, armados de estilingue. Quando as duas velhinhas se preparavam para ali deixar o seu lixo. duas pedradas certeiras as mandaram para o posto médico.

Na reunião da assembleia, as crianças conversaram com as velhinhas, abraçaram-nas, beijaram-nas e pediram desculpa. Explicaram-lhes o que era um projeto e por que cometeram o radical ato. Feitas as pazes, as crianças escreveram uma carta, que as velhinhas levaram à prefeitura. Na missiva, se exigia a erradicação da lixeira.

Na semana seguinte, dois funcionários limparam o local. E mais ninguém se atreveu a deixar lixo junto da escola. Porque, naquela escola, havia mestres… em estilingue.

 

 

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCLIII)

Vila Clara (São Paulo), 19 de outubro de 2040

“Todos irmãos!” – Era assim que Francisco nos convidava, através de um singelo apelo, a assumir esse grande princípio dos Direitos Humanos: “Será possível aceitar o desafio de sonhar e pensar uma Humanidade diferente. É possível desejar um planeta que garanta terra, teto e trabalho para todos. Este é o verdadeiro caminho da paz e não a estratégia insensata e míope de semear o medo e a desconfiança perante ameaças externas”.

Nesse outubro de 2020, urgia dar forma concreta às palavras do Francisco, porque nos chegavam notícias de uma barbárie generalizada. Na França, um professor foi decapitado em plena rua. No Rio, enquanto passeava tranquilamente numa rua de Copacabana, um homem morreu, ao ser atingido na cabeça por uma bilha de gás arremessada a partir do 12.º andar de um prédio. Também no Rio, em apenas um dia, operações contra milícias mataram dezessete pessoas. Na Rússia, uma mãe colocou o seu bebê preso dentro de um armário, para que morresse de fome. Também na Rússia, o corte feito numa menina de nove anos expunha o alcance global da violência da mutilação genital. Em Portugal, pais se preocupavam com a ordem dada de regresso às aulas, sem que os jovens fizessem teste negativo à covid-19. Com 10 mil casos de covid-19 por dia, a Bélgica fechava cafés e restaurantes. Entretanto, uma falsa vacina contra o coronavírus era vendida… em Niterói.

A esperança de melhores dias se fortalecia, quando recebia mensagens de educadores, cujos generosos atos contribuíam para o advento de uma “Humanidade diferente”. Era raro o dia em que não chegassem e-mails como o da Nieve, que cuidava de crianças numa comunidade na zona sul de São Paulo:

“Paulo Freire e Rubem Alves são meus “combustíveis” de concepção de uma escola em que acredito e que tento contribuir para transformar.”

Para jovens como a Nieve, o mestre Paulo e o mestre Rubem eram “combustíveis” de uma humanização urgente. Confirmava-se aquilo que o amigo Rubem me dissera:

“Um educador não é otimista, terá de ser esperançoso. O otimismo é da natureza do tempo, enquanto a esperança é da natureza da eternidade”.

A esperança não era “a última a morrer”. A esperança não poderia morrer, nem morreria. No ato de educar, só existe uma proibição: é proibido desistir. Os freirianos gestos de amor e de coragem eram indeléveis e se repercutiriam por gerações.

Durante cerca de quarenta anos, viajei o mundo. Subitamente, em 2020 – um ano que nunca existiu – remeti-me para uma voluntária reclusão, no isolamento social imposto pela pandemia. Foram meses de uma estranha solidão, mitigada pela presença virtual de educadores amigos. Nesse outubro, comecei a planejar o “regresso à estrada e ao chão das escolas”. Passei por um outono do sul, enquanto já me sentia na primavera do norte. O tempo seco do inverno do Cerrado chegou-me sob a forma de verão português. Para atenuar a saudade, valeu-me a suave companhia dos pássaros e a esplendorosa lua do céu de Brasília.

Com a chegada da primavera do hemisfério sul, rompi com a outonal melancolia do norte. Plantei árvores no meu “Jardim do Eden”, enquanto observava os pássaros fazendo ninho, nas traseiras da minha casa. Gente linda veio conhecer uma comunidade feita de gente e de pássaros. E assim passei os últimos vinte anos: viajando, observando pássaros, ajudando gente a humanizar a educação.

Em 2040, escuto os ecos de amorosos e corajosos atos. Projetos semeados, há vinte anos, inspiram novos projetos. Poderei, enfim, retirar-me. Uma nova e promissora geração de educadores tomou nas suas mãos essa tarefa.

 

 

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCLII)

Bandeirantes, 18 de outubro de 2040

Em meados do mês de outubro de 2020, a França decretava toque de recolher noturno. Um novo surto da Covid-19 fazia a Europa suspender as aulas e intensificar o isolamento social. O governo português decretava situação de calamidade. Israel só viria a abrir as escolas quando, depois de um mês, não se verificou uma morte sequer. Escolas, que haviam “voltado às aulas”, devolviam os alunos aos seus lares, após se verificar o contágio que vitimou professores e funcionários. Mas, no Brasil, em botecos, shoppings, salões de beleza e praias, as grandes aglomerações disseminavam o vírus.

Políticos e gestores irresponsáveis forçavam o “regresso às aulas”. O diretor de um colégio disse estar decepcionado com um ex-aluno (o prefeito de São Paulo) porque ele não havia autorizado a volta às aulas presenciais.  Eis o que o prefeito respondeu:

“Não tenho medo de cara feia. Na condição de cidadão ex-aluno, reputo lamentável a postura do diretor, seja por não valorizar a vida daqueles que pertencem à comunidade escolar, seja pela falta de ética”.

O prefeito era responsável pela saúde de dois milhões e quinhentos mil alunos e protegia-os da loucura do “regresso às aulas”, lamentando a atitude do diretor do colégio:

Que este gestor sempre foi autoritário já era sabido, seu caráter duvidoso e pouco apreço pela vida dos alunos, professores e funcionários é que são novidades. Lamentável”.

Nesses tenebrosos tempos feitos de negacionismo, fake news e mercantilização da educação, esse prefeito era uma honrosa excepção à regra. Mas, se na prefeitura havia bom senso, uma escola estadual era “orientada” a retirar uma faixa contra a volta às aulas.

Para o Conselho Escolar “todas as vidas importavam”. Por isso, havia decidido pelo retorno a prédio da escola apenas quando houvesse vacina para a covid-19. Em e-mail, o diretor da escola demonstrava preocupação com possíveis sanções aos professores e gestores da escola. Fazia referência às proibições previstas no “Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado”, uma lei de… 1968:

“Ao funcionário é proibido: promover manifestações de apreço ou desapreço dentro da repartição, ou tornar-se solidário com elas”.

“Somos funcionários públicos e estamos sujeitos as sanções” – concluiu o diretor.

Havia que se preocupasse com a saúde das crianças. Uma avó solidarizava-se com o diretor, mas afirmava:

“Meu neto não volta de jeito nenhum. Somos grupo de risco e o meu neto é asmático. A escola já não apresentava condições humanas para receber os estudantes antes da pandemia. Estou falando de uma escola que nem oferecia papel higiênico aos meninos, que tinham que passar pelo constrangimento de pedir papel a cada vez que iam ao banheiro”.

O estado ameaçava professores com uma lei de 1968, enquanto as escolas racionavam papel higiênico e não havia controle de piolho. A Organização Mundial de Saúde lamentavas as posturas adotadas pelo Brasil e afirmava que a dita “Imunidade de rebanho erra uma abordagem científica e eticamente problemática”. Sem uma vacina, a estratégia de deixar o vírus circular implicava, em mais mortes, mortes evitáveis. O Mestre Agostinho assim descrevia a tragédia anunciada:

“O rebanho dos homens ignorantes, que se deixam arrastar pelas palavras e com elas se embriagam; a fuga das responsabilidades claramente assumidas, o imoderado apetite do poder…”. As palavras de Agostinho ecoavam, muitos anos antes da pandemia. E mantinham atualidade, no distante 2020.

 

Por: José Pacheco

Posts navigation

1 2 3 118 119 120 121 122 123 124 147 148 149
Scroll to top