Rio das Ostras, 23 de março de 2043
Mesmo exercendo o seu múnus profissional num tempo em que não tiveram que competir com máquinas inteligentes, os mestres dadores de aula não ficaram imunes à necessidade de transformação da educação.
Compreendi que se decepcionavam com a falta de interesse de muitos alunos, que, inertes, prenunciavam o surgimento de uma crise de relações humanas, o anúncio da falência de um determinado modelo de sociedade e de escola.
Isto escreveu um dos insignes mestres:
“Ao longo desses anos todos, enfrentei muitas vezes a apatia dos alunos. Sempre há uma meia dúzia que faz a diferença, que faz o curso valer a pena. Mas a maioria sempre foi, acho que sempre é, mais ou menos apática. Eu me esforço para dar uma aula muito concentrada e, em geral, me irrito com qualquer comportamento dispersivo dos alunos. Como lido com a apatia na sala de aula? Esse é um grande problema. Ouço o que meus ex-alunos, agora professores, me dizem. Me ponho na pele deles e fico pensando: meu Deus, acho que sofreria demais. Porque mudou muito, os alunos mudaram muito. Não quero nem dizer que sejam piores, não é isso. É outra geração, é outro tipo de gente. Mas, pensando naqueles meus alunos antigos, que eram apáticos – e eram apáticos por quê? Você precisa de técnicas de como despertar a atenção deles. É difícil, viu?
Na “Arte da Aula”, essas interrogações eram em menor quantidade do que os excertos que refletiam satisfação, realização profissional, num tempo em que mais de metade dos docentes não se sentia profissionalmente realizada, não se sentia valorizada e que apontava causas do desgaste como “turmas com elevado número de alunos, comportamento indisciplinado e desmotivação, falta de apoio”:
“Eu não tinha ideia de quanto o tempo da minha juventude já podia ser ignorado pelos jovens de hoje. Dá impressão que você está continuamente fora do assunto, que não vai chegar lá, pois a distância cultural é muito grande e não há um discurso suficientemente formulado sobre esse fosso. Não sei o que faria hoje se tivesse que voltar a dar aula na universidade. Tenho a impressão de que os alunos não me respeitariam nem um pouco. Eles têm uma linguagem que, provavelmente, eu teria dificuldade de acompanhar. Há uma diferença de geração muito grande.
Já nesse tempo, a OMS reconhecia a profissão de professor como uma das de maior risco. E a OCDE promovia inúteis cimeiras sobre o “bem-estar dos professores”. O que se discutia nesses encontros era a manutenção de um profundo mal-estar. Um secretário-geral afirmou:
“Não se deve perder a oportunidade de colocar o bem-estar dos professores no centro das políticas de todos os países e que o bem-estar dos professores terá de ser percebido como “um tema político de primordial importância” (sic).
Para a “Arte da Aula”, redigi um prefácio a que dei o título de “O Canto do Cisne”. A leitura dessa obra permitiu-me compreender o drama dos mestres dadores de aula e identificar a raiz do “bournout”. Estavam fora do seu tempo, agiam a descompasso daquilo que escreviam, das palestras que proferiam. E o faziam ancorados naquilo para que tinham sido industriados.
Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem havia consagrado o princípio de que todo o ser humano tinha direito à Educação. A educação passou a ser um bem comum e não apenas para as crianças e os jovens.
Um dos princípios explícitos na Declaração era o de que “a instrução superior deveria ser acessível a todos, universal e gratuita”. Então, por que razão (oculta) os acadêmicos instrucionistas decidiram que a “instrução superior” não fosse acessível a todos?
Por: José Pacheco