Sacramento, 28 de março de 2041
Nos idos de vinte, eu já havia debelado a soberba de europeu convencido de que o futuro da educação estava no Norte. Vinte anos depois de rumar à mátria brasileira, levara um banho de humildade e a vaidade de professor coautor da Ponte havia desaparecido. Todos os dias, lutava contra pequenas arrogâncias. Todos os dias perdia a luta.
Por essa altura, reinava o caos social, em grande parte resultante do modelo educacional – familiar, social e escolar – fundado na proposta instrucionista. Adentrávamos o século XXI ancorados em velhas e nefastas práticas, buscando no hemisfério Norte aquilo que tínhamos de sobra no Sul. Adiávamos uma catarse, que nos libertasse de atávicos procedimentos.
Num aeroporto das minhas deambulações pelo Brasil da educação, escutei uma conversa de celular:
“Vou chegar à faculdade em cima da hora da aula. Poderás xerocar as páginas que os meus alunos de pedagogia vão ler hoje?
Num tempo em que Gadotti afirmou que “a pedagogia tradicional, centrada sobretudo na escola e no professor, não consegue dar conta de uma realidade dominada pela globalização das comunicações, da cultura e da própria educação”, continuávamos a enfeitar o obsoleto modelo de ensino com aulas de apoio, de reforço, de “bem-estar”, ou de ética; com rankings, jogos, olimpíadas, “qualidade total”, cursos de “planejamento de aula” e “capacitações para dar aulas com alegria” (sic).
Os jornais informavam que professores universitários iam ser inscritos em cursos, “para adotarem novos modelos de aula, para que os alunos possam absorver melhor os conteúdos (sic) nas suas universidades. Peremptório, o diretor de uma universidade afirmava:
“Não dá para abandonar as aulas tradicionais de uma vez”.
Não abandonaria “de uma vez”, nem nunca! As universidades iriam pagar trezentos e trinta e cinco mil reais a norte-americanos dadores de aula. Um absurdo! Mais dinheiro jogado no lixo da pedagogia requentada, quando no Brasil havia muito melhor formação do que aquela que iriam comprar no Norte. E quase gratuita!
Os doutos personagens desse imbróglio não conheciam o elementar princípio do isomorfismo na formação, não sabiam que o modo como o professor aprendia era o modo como o professor ensinava. Nem percebiam que, mesmo adjetivada de tradicional, invertida, ou híbrida, aula era aula, dispositivo que condenara à ignorância trinta milhões de brasileiros.
Trinta milhões de seres humanos diminuídos nos seus direitos não seriam tragédia suficiente? Quantas mais vítimas as universidades das aulas iriam fazer? Não seria já tempo de a universidade assumir a sua quota parte de responsabilidade pelo caos social, pelo negacionismo vigente?
A universidade era a matriz, produtora de ciência. Deveria abandonar práticas desprovidas de fundamento científico. Deveria dispensar a aula de cuspe e giz, práticas obsoletas, medievais. Porém, a educação seguia ao compasso de vontades e decisões de economistas, empresários e outros leigos.
Dizia-nos o dicionário que catarse era a palavra pela qual Aristóteles, na “Poética”, designava “purificação”. Na Psicologia, catarse equivalia a experimentar liberdade em relação a situações opressoras. Psicanaliticamente, poderia significar trazer à consciência recordações recalcadas. Na Medicina, era libertação do que era estranho à natureza do sujeito. Em 2021, talvez já fosse tempo de escutar Freire e começar a expulsar o sarro da velha escola. Ao invés de importar novos modelos de aula enfeitados com “híbridos”, conhecer aquilo que de bom tínhamos cá dentro.
Por: José Pacheco