Campina Grande, 16 de janeiro de 2041
No janeiro de há vinte anos, um prefeito eleito morria vítima da pandemia, após quase três meses internado num hospital, em luta contra as sequelas da covid-19. Um autêntico holocausto se prolongava, para além das duzentas mil vítimas.
Para me abstrair da tragédia em curso, valia-me de sensíveis mensagens, como a que recebi da Luna:
“Tomei a coragem, que encontrei depois de nossa conversa e busquei os caminhos que me indicaste. Meus filhos ainda não compreendem, mas guardarei isso para que, quando maiores, saibam das intenções desta mãe.
Finjo que estou em 2040. Em 2020, te ouvia sempre clamar, com muita emoção, que os professores se respeitassem e fossem éticos consigo e com os alunos que amavam. Não, eu não sou professora e por isso não pude seguir os seus conselhos, mas, ouvi-los, tão intensamente, levou-me a procurar onde estavam aqueles professores que optaram por segui-los. Naquele 2020, quando fomos obrigados a ressignificar tanto, resolvi ressignificar o modo como queria que meus filhos aprendessem. Me encorajei a buscar uma educação que rompia com os moldes defasados do século retrasado.
Você morava aqui, no DF, e eu também. Então pensei que, se estava tão perto de mim quem pregava uma mudança, estava perto, também, a própria mudança.
Naquele julho tão cheio de incertezas sobre nossos modelos de escola e sobre os métodos que obrigavam meus filhos a se encaixarem, resolvi falar com você.
Precisava que me dissesse por onde eu poderia começar. Precisava que me dissesse se uma mãe poderia ir contra todo um sistema imposto e a favor de todo um grupo que lutava contra as mudanças. Precisava que me dissesse, onde, aqui na nossa cidade, eu poderia encaixar os meus filhos que, até então, estavam sufocados dentro de uma sala de aula. Os conselhos que me deste à época e a coragem que invadiu esta mãe, mudaram todo o resto.
Aquela escola e aqueles professores me ajudaram a elaborar um novo caminho, por onde meus filhos andaram livremente enquanto aprendiam. Estou sentada na mesa de jantar da minha casa olhando para as minhas crianças, hoje com 27 e 25 anos. Que belo caminho eles puderam percorrer!
Sorte deles que, ainda crianças, viram o mundo resolver questionar os moldes de uma educação amarrada em outro século. Sorte dos meus netos que um dia virão e que já poderão desfrutar da aprendizagem nos moldes do século em que vivemos. Sorte a minha que tive a coragem de romper e que, com a ajuda de gente como você e tantos outros dispostos a ressignificar o modelo que ainda tínhamos naquele 2020, pude ver, crescer junto com meus filhos, o projeto de um novo ensinar!
Tenho aqui em casa dois adultos, com alma de criança, porque não desaprenderam de perguntar. Tenho aqui em casa dois adultos que saudosamente falam sobre os tempos de escola! Tenho aqui em casa duas crianças que tiveram a coragem de dizer o que queriam aprender e a oportunidade de fazê-lo. Tenho aqui em casa dois adultos realizados profissionalmente porque, aprender aquilo que fazia sentido para eles, os empolgaram a ir bem longe. Tenho aqui em casa duas crianças que adulteceram e não se adulteraram!
Graças a tantos professores que resolveram respeitar o que faziam. Graças a eles que resolveram encarar a educação de forma ética e com amor pelas crianças que tinham nas mãos. Graças a tantos idealizadores que vieram antes de 2020 e graças a tantos outros que em 2020 lutaram e graças a tantos mais que continuaram a luta até aqui. Graças à criança que havia (e que há) em mim e que precisava ver não morrer a criança que havia (e que há) dentro dos meus filhos”.
Por: José Pacheco