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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDII)

Alterosa, 6 de janeiro de 2041

Voltemos à Filosofia. Não para filosofar, mas para vos narrar um episódio exemplar.

Nos cursos de Pedagogia de antanho, afirmava-se o primado da autonomia, do protagonismo do aluno. “Ensinava-se” propostas escolanovistas – Montessori, Freinet, Steiner, Férrière, Decroly, Dewey… Anísio –, porém, havia um sub-reptício ressentimento relativamente à escola que havia posto em prática as propostas desses autores. Me contaram que uma professora dissera aos seus alunos do curso de Pedagogia:

”Está provado cientificamente que o modelo da Escola da Ponte dá maus resultados”. 

Essa professora nada conhecia do que nessa escola acontecera. Não havia lido teses (cientificamente comprovadas!) produzidas sobre essa escola. Não lera, certamente, as conclusões de avaliações externas, mas ousava caluniar. A ética andava ausente desses lugares mal frequentados. Mas, vamos ao episódio…

Sempre gostei de estudar. E, quando lia no cardápio de um curso universitário matéria que me interessasse aprender, candidatava-me ao curso e frequentava as disciplinas desejadas.

Não concluía cursos, porque não precisava de diploma. Assim, fui estudar inglês e antropologia no curso de Relações internacionais. Fui aprender Etnologia no curso de Arqueologia, Estudos Culturais no curso de Línguas e Literaturas Modernas. Psicologia, Sociologia, Etologia e muitas outras disciplinas do curso de Ciências de Educação. Talvez vos conte a saga vivida neste curso.

Apeteceu-me estudar Filosofia e me matriculei numa escola de Ensino Médio. Como ireis ver, a docente dessa disciplina não entendera que ser filósofo era uma coisa, ser professor de filosofia era outra coisa… ser licenciado ou doutorado em Filosofia não era condição bastante para se ser professor de Filosofia. E o mesmo deveria valer para um engenheiro, ou um advogado, que ingressasse na nobre profissão.

À entrada para a primeira aula, um jovem avisou-me:

“Eu sei que o senhor trabalha numa escola diferente. Mas, aqui, não pode falar, nem interromper a aula da professora”.

Fiz, exatamente, o contrário da recomendação. Ainda a aula ia no início e já eu erguia o braço, pedindo a palavra. Esperei, esperei, até que a professora me dirigiu a palavra:

“Diga! Quer ir lá fora, é?”

“Não, minha senhora” – respondi – “Quero que a senhora me explique o que quis dizer com a expressão…”

Interrompeu-me a fala. E disse:

“Fique sabendo que, aqui, é bico fechado. Nunca mais me interrompa a aula! Ouviu?”

Acabada a aula, fui até à Biblioteca e à Sala dos Professores. Já adulto, creio que os professores, que por lá estavam, supuseram que eu fosse um colega e permitiram que consultasse a programação das aulas da professora de Filosofia. Em casa, anotei num papel algumas frases do Ortega & Gasset, que seria o assunto da aula do dia seguinte. E voltei a erguer o braço…

“Outra vez? Eu não lhe disse que não gosto de ser interrompida?”

“Eu sei, minha senhora, mas só queria fazer um comentário a algo que a senhora disse”.

“Um comentário?! – gargalhou – “Diga lá! Deve ser alguma besteira…”

Estrábico que sou, com o olho direito olhando a professora e o esquerdo fixado num papel, li uma das frases do Ortega & Gasset. A reação não se fez esperar. Ainda não havia concluído a leitura, fui interrompido:

“O que você disse é uma grande besteira. Mais valia estar calado!”

“Não fui eu quem disse a frase. Foi Ortega e Gasset. Está no livro didático” – repliquei – “A senhora acha que o filósofo dizia besteiras?”

O que, a seguir, aconteceu talvez vos conte em próxima cartinha. Mas já vos digo que não foi edificante…

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDI)

Varginha, 5 de janeiro de 2041

No janeiro de há vinte anos, uma amiga colocou num grupo de Instagram um vídeo. Nesse vídeo, um conhecido filósofo dissertava sobre “dar aula”. Não entendi a intenção, mas agradeci. Já conhecia esse vídeo e não pensava comentá-lo. Porém, dada a iniciativa da Célia, dei resposta no WhatsApp, convidando-a e a outros ilustres colegas educadores para uma fraterna conversa sobre aula, instrucionismo e direito à educação. Foi a enésima vez que o fiz. E, mais uma vez, não obtive retorno.

Não me surpreendia com o fato de que quem tivesse passado a vida dando aula não se interessasse por debatê-la. O que mais me incomodava era o obsceno silêncio de professores de ciências da educação. Estas sabiam que o filósofo do vídeo reproduzia um discurso centenário. Assim se expressava o filósofo (ipsis verbis):

“Uma aula não tem por objetivo ser entendida totalmente. Numa aula, cada aluno ou cada grupo pega o que lhe convém. uma aula ruim é aquela que a ninguém convém. Mas, podemos dizer que tudo convém a todos. As pessoas têm de esperar. Obviamente, tem alguém meio adormecido. Uma aula é emoção, é tanto emoção como inteligência. Sem emoção, não há nada, não há interesse algum. Não é uma questão de tudo seguir e entender tudo o que se escuta, de captar o que lhe convém. É por isso que um público variado é muito importante. Sentimos o deslocamento dos centros de interesse”.

Ouso comentar. O eminente filósofo, que eu muito admirava, assumia que uma aula sua não tinha por objetivo ser entendida por todos os seus ouvintes. Mas, provavelmente, não lhe passaria pela cabeça por que razão isso acontecia.

“Numa aula, cada aluno ou cada grupo pega o que lhe convém” – dizia. Isso era verdade. Os alunos universitários ambicionavam obter um diploma. Essa era a “motivação”: o consumismo. Condicionados, bovinamente passivos, anotavam aquilo que supunham o professor iria querer que eles colocassem numa prova. Mesmo, quando, no final de uma aula, o professor perguntava se havia dúvidas – o que era raro – raramente alguém pedia a palavra. Ou, se o fazia, era manifestação de “puxa-saco”.

“Uma aula ruim é aquela que a ninguém convém” – Mutatis, mutandis, todas as aulas seriam ruins, apesar de o filósofo disso não se aperceber. O autor de uma obra monumental admitia que, “obviamente”, havia “alguém meio adormecido” nas salas de aula. Mas, aquilo que era óbvio era que todos, ou quase todos, passavam as aulas “adormecidos”.

“Sem emoção, não há nada, não há interesse algum”, dizia o extraordinário filósofo. Talvez não soubesse que, nessa afirmação estava contida grande parte das teorias da aprendizagem. Um dos seus princípios nos dizia que, para ser significativa, a aprendizagem requeria vínculo emocional. Provavelmente, nesse tempo, as ciências da educação ainda seriam para os filósofos auleiros ciências ocultas.

Quando li as últimas frases do filósofo, senti um arrepio na espinha. Havia professores que admitiam haver alunos que não aprendiam”:

Não é uma questão de tudo seguir e entender tudo o que se escuta”. 

Inacreditável! Ainda havia quem ignorasse a origem socioinstitucional do insucesso escolar.

Decorridos vinte anos, a aula é apenas objeto de pesquisa de quem estuda uma época em que ela era a “senhora dos olhos” do sistema.

Nos idos de vinte, numa das escolas, que ajudei a transformar, montamos um museu, onde deixamos uma sala de aula intacta: lousa digital, mesas enfileiradas etc. Mas, tem sido difícil explicar aos visitantes do museu que aquela aberração educacional era comum, há apenas duas décadas. Mesmo muito difícil!

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CD)

Oliveira, 4 de janeiro de 2041

Quando me perguntavam quais foram as “inspirações” para conceber o projeto da Ponte, eu respondia que, antes de conhecer o Piaget e o Freire, três extraordinários seres humanos me influenciaram: Francisco de Assis, Krishnamurti e… o Padre Américo.

Apesar de ser muito jovem quando o conheci, recordo perfeitamente a figura desse padre medicante. Batina velha, rosto iluminado por uma estranha candura. Nos anos trinta do século passado, o Padre Américo  recolhia proventos para a “Sopa dos Pobres”. Em 1948, abriu a primeira Casa do Gaiato, onde acolhia crianças da rua, jovens abandonados. No ano em que o vosso avô nasceu, ele deu início ao projeto de construção das primeiras casas do “Património dos Pobres”. Mas os gastos com as suas obras eram avultados, e Américo passava grande parte do tempo calcorreando a cidade, pedindo ajuda.

Numa tarde de 1956, passou pela minha rua, pedindo esmola. Um merceeiro entregou-lhe um envelope contendo exatamente a quantia que Américo precisava depositar naquele dia. Porém, já passava das três e meia da tarde, o banco fecharia às quatro, e o velho Padre Américo não conseguiria correr de modo a chegar ao banco a tempo de fazer o depósito.

Um jovem entrou na mercearia. Américo perguntou-lhe se lhe poderia fazer o favor de ir ao banco e depositar o dinheiro. Escreveu os dados da conta no envelope, entregou-o ao moço e disse:

Vai, meu filho! Corre! Tenta chegar ao banco a tempo de entregar esse dinheiro.

O jovem saiu correndo. E o merceeiro comentou:

“Padre, esse jovem é o maior ladrão deste bairro. Você foi roubado”.

“Não fui, não, meu amigo. Eu sei que esse jovem irá fazer o depósito”.

Decorrida uma dúzia de anos, já adulto, esse jovem era o diretor da “Obra da Rua” e contava o episódio, que havia protagonizado:

“Quando peguei no envelope, pensei “Este padre é um trouxa”. Mas, alguma coisa me impelia para o banco. Apressei o passo, corri, pensando: “O que se passa comigo? Não consegui parar. Alguma “coisa” me empurrava. Cheguei ao banco a tempo de fazer o depósito”. 

No Maranhão de seiscentos, no auge da luta dos jesuítas contra a escravização dos índios, outro padre, de nome Vieira, embarcava para Portugal, em busca de apoio para a sua missão. Num dos seus “sermões”, assim falou:

Vós, diz Cristo, sois o sal da terra. E chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção”.

Um professor foi encarregado de vigiar uma prova. O “manual do aplicador” instruía-o a colocar os alunos a uma “distância prudente” uns dos outros. Inteligente, como qualquer professor, apercebeu-se de que, mesmo permanecendo em silêncio, dentro da sala, o não-verbal falaria mais alto do que o verbal. Agiria como quem considerasse estar na presença de seres potencialmente desonestos. Com tal procedimento, estaria a praticar o chamado “currículo oculto”, a transmitir valores negativos aos alunos.

Diz a sabedoria popular que cesteiro que faz um cesto faz um cento. Tínhamos razões para nos preocuparmos com a degenerescência da honestidade em pessoas encarregadas de educar as novas gerações. Mas, nos corrompidos idos de vinte, tínhamos mais razões para acreditar que, pelo exemplo, poderíamos operar “milagres”.

O professor desta estória ousou transgredir. Disse aos alunos que se sentassem onde quisessem. Distribuiu as “provas”. Olhou os jovens, um por um, com olhos de compaixão. Depois, saiu da sala.

Não constituiu surpresa que, nessa prova, nenhum aluno tivesse “colado”. Acreditai, queridos netos que isso aconteceu. Eu conheço bem esse professor.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCCXXXIX)

São Tomé das Letras, 3 de janeiro de 2041

Vai para uns trinta anos, ouvi o Perrenoud falar sobre o tema: “Os alunos são diferentes – Porque tratá-los como se fossem semelhantes?”. Perante uma plateia atenta, o eminente teórico repetia um discurso semelhante àquele que eu escutara na década de sessenta, em outros congressos e seminários dirigidos a plateias igualmente atentas.

Apesar de tantos congressos, inexplicavelmente, as práticas mantinham-se idênticas àquelas que eu conhecera na década de sessenta. Nos livros que eu lia, nas palestras que escutava, era quase consensual a crítica do modelo epistemológico que predominava nas escolas desde há séculos. A crença na transmissão linear de saberes sobrevivia na agonia do modelo de escola que ainda tínhamos nesse tempo. Se o modelo epistemológico falira, restava saber por que razão, ainda que moribundo, se mantinha o modelo organizacional que o suportava. Se havia muitos modos de fazer escola, tinham sido experimentados? Se havia disponível tanta teoria crítica, por que ainda havia sala de aula, nos idos de vinte?

Já Bachelard dissera que o ato de conhecer se dava contra um conhecimento anterior e que seria impossível anular, de um só golpe, todos os conhecimentos habituais. Detectávamos causas da inércia às quais dávamos o nome de obstáculos epistemológicos. O discurso continuava a contrariar a prática do discurso – para um pensamento único, vigorava um modelo único.

A mesmice das teorias era da mesma natureza da mesmice das práticas predominantes em aulas de saliva e power point. A síndrome do pensamento único não questionava uma normose, que tendia a perenizar rituais sem sentido.

Há trinta ou quarenta anos atrás, foram muitas as teses que elegeram por objeto de estudo os obstáculos à mudança. Os doutorados desse tempo leccionavam como os doutorados de há cem anos. Obstáculos epistemológicos os impediam de agir em coerência com as conclusões das suas teses. Dissertavam sobre diversidade perante turmas que supunham ser “homogêneas”; ensinavam métodos ativos a alunos inativos; criam fazer “educação inclusiva”, quando ensinam a todos como se de um só se tratasse.

E eu me quedava perplexo face a teóricos que dissertavam sobre mediação sem jamais a praticarem, ficava confuso perante “construtivistas” cujas práticas eram a negação do construtivismo. Esses personagens do drama educacional eram como Mister Jekyll na teoria e Mister Hyde nas práticas.

Creio que começo a entender o êxito comercial dos livros de autoajuda pedagógica, best-sellers desse tempo.  Presumia-se que se pudesse ajudar professores a melhorar as suas aulas, quando o necessário seria acabar com elas.

Após alguns anos de experimentalismo reformista e de tentativas de psicologização das escolas, tínhamos nas escolas mais do mesmo. Gilles Ferry buscava explicar o drama, contextualizando-o no campo da formação de professores: Existia uma analogia estrutural entre o vínculo da formação e o vínculo da prática profissional que essa formação produzia, uma isomorfia. Resultava dessa isomorfia que, qualquer que fosse o modelo adoptado pelos formadores, ele tendia a impor-se como modelo de referência dos “formados”. Os efeitos de estruturação e de impregnação produzidos pelo dispositivo de formação eram mais fortes do que o discurso.

Não era necessário inventar novos conceitos, rebatizar conceitos antigos. Necessária, como vos disse na cartinha do primeiro de janeiro, era a reinvenção das práticas. Então, sobre a reinvenção de algumas práticas vos falarei.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCCXXXVIII)

Lavras, 2 de janeiro de 2041

Desde que me conheço como professor, me dei conta de muita generosidade, mas também passei por situações caricatas, típicas de escolas onde não havia professores que ainda não tivessem morrido. E houve um tempo, entre os anos setenta e noventa, em que me comportei como andarilho, indo de escola em escola, onde suspeitasse haver projeto. Até que passei uma tarde numa escola, onde não encontrei professores vivos. 

Nesse tempo, militante do Movimento da Escola Moderna, divulgava as técnicas Freinet. “Ensinava” alunos a usar a imprensa Freinet, a praticar correspondência escolar, a fundar a sua assembleia. “Ensinava” professores a usar ficheiros autocorretivos, aquilo que, anos mais tarde, alguém chamou de “aula invertida”. Ajudava-os a “ensinar a ler” pelo “Método Natural de Leitura” e a preparar “aula-passeio”. Eram práticas comuns na Ponte e eu as partilhava. 

De sala em sala, partilhei o planejamento da aula com cada professora, procurei ajudar a transformar desejos em possibilidades, auscultei dificuldades. À professora da primeira sala, ouvi:

“Finalmente, percebi o que é um projeto. E que aula tão bem dada, Zé! Mas, isso de projetos é muito bonito, mas… e as outras? Como é? Elas não colaboram”

A segunda professora despediu-se de mim com o seguinte recado: 

“Que maravilha! nem precisei de mandar calar ou de repreender um aluno. Quem dera que todas as aulas fossem assim. Mas, não se iluda, colega! Há sempre quem não faça, nem deixe os outros fazer”.

Na terceira sala, a mesma lenga-lenga: 

“Que aula ótima! Nunca vi os meus alunos tão atentos. Sabes, Zé, por mim, até nem há problema. Mas há outras que…” 

À saída da última sala, idêntico comentário: 

“Querer, eu até quero! Mas, Professor Zé, com certeza sabe que há outros que não querem…” 

Eram demasiados “mas” para tão pouco envolvimento na causa das crianças. Esperei pelo fim das aulas. Tinha sido convidado para participar na reunião do conselho escolar. Sentei-me com as quatro colegas à volta da mesa, na exígua sala dos professores. Dado o silêncio e a atitude de escuta, supus que aguardavam que eu começasse. E eu comecei: 

“Já estamos todos? Só a quatro professoras na vossa escola? Não falta mesmo ninguém? Onde está “a outra”? 

Onde estaria o “quinto passageiro”?

Creio já vos ter falado do “Projeto de Criação de Comunidades de Aprendizagem do Distrito Federal. Nesse documento, estava escrito: “É preciso experienciar um novo modo de organização, em equipes de pessoas autônomas e responsáveis, todas cuidando de si mesmas e de todo o resto, numa escola realmente “pública”. E, sem negar o potencial da razão e da reflexão, juntar-lhe as emoções, os sentimentos, as intuições e as experiências de vida.” 

O “Currículo em Movimento”, documento de referência do que deveriam ser a práticas da secretaria da educação (e não eram…) também apelava ao trabalho de equipe:

“A definição do currículo reveste-se de um caráter dinâmico e carece de um permanente trabalho reflexivo por parte da equipe de educadores, de modo a que seja possível a aquisição de saberes e o desenvolvimento de competências essenciais (…) questionando práticas pedagógicas conservadoras, compreendendo que a educação é construção coletiva”.  

O projeto das comunidades de aprendizagem abriu caminho para professores que não queriam permanecer “orgulhosamente sós” e que questionaram um individualismo, que não permitia que um “outro” professor participasse de um mesmo projeto. Essa reelaboração da cultura profissional teve início em 2021 e atravessou duas gerações de professores. 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCCXXXVI)

Boa Esperança, no primeiro dia de janeiro de 2041

Queridos netos, sede bem-vindos a 2041!

Na última cartinha, de entre aquelas que enviei em 2001, tinha data de 15 de setembro. Não por acaso… Nesse dia, ainda em Portugal, se comemorava o aniversário de um amigo, nascido em Boa Esperança, no ano de 1933: o amigo Rubem. 

Nesse ano, o Rubem visitou a Ponte e assistiu a práticas do paradigma da aprendizagem, na “escola com que sempre sonhou”. Fora “como um momento de “iluminação”, que ele dizia ocorrer, quando acontecia o lapsus (a queda, segundo a psicanálise), uma fratura no discurso lógico. A ele devo a minha segunda vida, a brasileira. O Rubem ansiava pelo “desaprender”, pelo “desensinar”.  Era um acérrimo crítico da ensinagem em sala da aula. Em 2001, escrevia:

“Quero uma escola em que a aprendizagem seja um empreendimento comunitário”. 

Em 2021 – finalmente celebrando a memória do Rubem, do Lauro, da Nise, do Freire, da Nilde…  –- um “empreendimento comunitário” se iniciava.  Transcrevo, o email enviado a centenas de excelentes educadores, no dia primeiro de janeiro de há vinte anos. Era um convite, que não requeria muitas palavras. Conhecia bem os destinatários, convivia com alguns deles há mais de quarenta anos. Apenas isto escrevi:

“Creio que aqueles educadores a quem envio esta mensagem são pessoas que sabem o que é preciso FAZER. Isso mesmo: 2021 marcará o início de um FAZER necessário, possível, imediato: criar protótipos de comunidades de aprendizagem. Pelo sonho é que vamos, como diria o Sebastião. Um sonho concretizável, concretizado”.

Ao longo de mais de meio século, havia calcorreado caminhos sem conta, muita estrada. Era meu desejo sair de cena, ir plantar árvores e olhar passarinhos. Mas… se 2020 tinha sido feito de destruição e tristeza, 2021 deveria ser de pacífica reconstrução e de sã alegria. 

Destinei cada hora desse já distante ano de 2021 à criação de uma rede de comunidades, começando por viver em comunidade. Ainda viajei muito – depois de recebida a vacina da covid, claro! – sabendo que valeria a pena um último fôlego. Mas dediquei a maior parte do tempo a cuidar do projeto do Distrito Federal. O documento fundador das comunidades de aprendizagem do DF abria com uma citação do “Currículo em Movimento”:

“Quando a comunidade se constitui como parte atuante da escola, com voz e participação na construção coletiva do projeto político-pedagógico, surge o sentido de pertencimento, isto é, a escola passa a pertencer à comunidade, que, por sua vez, passa a zelar com mais cuidado por seu patrimônio; a escola começa a sentir-se pertencente àquela comunidade e começa a criar, planejar e respirar projetos de interesse de sua gente, de sua realidade” 

Nos idos de vinte, já quase centenário, num inspirado e inspirador texto, que dava pelo nome de “É hora de mudarmos de Via: as lições do coronavírus”, Morin assumia a denúncia:

“Reformulando por obrigação nosso modo de consumo, preferimos o essencial ao inútil, a qualidade à quantidade, o durável ao descartável.”

E o meu amigo Krenak afirmava que Gaia (Pachamama, Mãe Terra) já não suportava modos de produção predatórios, que conduziam à extinção de várias espécies e provavelmente da espécie humana. Se, antes, reinava a o egoísmo, urgia recuperar práticas comunitárias.

Neil Armstrong, ao pisar a Lua, exclamou:

“Um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade”.

Mas juntou a essa exclamação outra frase:

“Os grandes pensamentos não necessitam apenas de asas, mas também de algum veículo para aterrisar.”

Urgia “aterrissar”… FAZER. E fez-se!

 

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCCXXXV)

Veranópolis, 30 de dezembro de 2040

Há muitos anos, na minha terra portuguesa, havia uma árvore, de que não se sabia a origem. Era a “Árvore da Tojela”, quase um ex-libris da vila.

Certo dia, recebemos a visita de uma professora de origem libanesa. Vivia em Portugal, refugiada política, sofrendo por não poder regressar a uma terra assolada por uma guerra fraticida. 

Certo dia, dei-lhe “carona” para a escola. Ao passar pelo Largo da Tojela, agarrou o meu braço e pediu que eu parasse o carro. Saiu, correndo, atravessou a rua, se ajoelhou junto da árvore e a abraçou, chorando.

Não saí da viatura. Fiquei a olhar o enternecedor quadro. Pessoas paravam, mudas de surpresa. Parecia que o tempo também havia parado.

Em silêncio, voltou para o carro. Em silêncio, seguimos para a escola. A jovem libanesa levava um sorriso nos lábios.

Alertadas por familiares, que tinham tido ensejo de contemplar a surpreendente cena, as crianças da Ponte me interpelaram. Quiseram saber por que razão aquela “visita” abraçara a árvore. 

Ao cabo de uma longa pesquisa, numa entrevista com um botânico, o mistério foi desvendado. Aquela árvore era um exemplar único em Portugal. Árvores da mesma espécie só existiam no Líbano. Provavelmente, uma ave migradora trouxera a semente aconchegada nas suas patas e ali a deixara.

Árvores e pássaros, como o guacho, encerram mistérios, que podem ser desvendados. O guacho é um pássaro que constrói o seu ninho suspenso de um ramo. Perplexo face à mestria exigida pela construção, o Pássaro Encantado interrogava-se: como colocaria o guacho o primeiro graveto do seu ninho?

O guacho não perdera a memória do tempo de um viver em comum, a memória de um tempo sem resquícios de rivalidades, que assegurassem a exclusiva posse de um território, ou arrastassem pássaros para tentações de subjugação dos seres nele confinados. Vivia para construir ninhos e sabia que, para instalar os frágeis alicerces de uma estrutura, que serviria de berço à sua prole, para enlaçar o segundo dos gravetos no ramo pendente sobre o abismo, precisaria de dois bicos solidários segurando o primeiro. 

Ao construir ninhos suspensos sobre as águas, o guacho dava lições de arquitetura. Possuía os saberes dos construtores de pontes, sabia que toda a ponte tem dois sentidos e que algumas pontes estabelecem a transição entre o que é e o porvir. 

Nos idos de vinte, a solidão era, muitas vezes, o destino de pássaros a quem calhava por sina o conhecimento e a bondade. E poder-se-ia chamar instintivo ao ato paciente e fraterno de juntar um galho a outro galho, até se completar um ninho. Eu diria ser mais um ato religioso – Que mania a dos humanos seres a de considerar não ser da natureza dos pássaros o re-ligare! 

Nas manhãs dos idos de vinte, pássaros de todos os tamanhos e cores vinham em revoada pousar nas árvores do Jardim do Éden. Quando jovens pássaros caíam do pau-brasil, eu os devolvia ao ninho protetor. Até ao dia em que o pau-brasil, sem sofrer vento ou tempestade, abriu ao meio e arrastou os ninhos na sua queda. 

Um casal de João-de-Barro fizera o seu ninho num ipê amarelo. Passavam grande parte do tempo em terra, num andar pausado e pequenas corridas. Cantavam juntos, à entrada do ninho, agitando suas asas. Até ao dia em que, sem razão aparente, o ipê se abateu sobre outras árvores, rasgado ao meio. 

Um dia, talvez vos conte a estória de árvores, que eu amava e que a uma maldade oculta destruiu. O que vos quero dizer é que, nos últimos dias de 2020, fotografei um rebento de ipê, crescendo ao lado do resto de um tronco, do que restava do ipê destruído. Um novo ipê nascia. “A vida não para…” 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCCXXXIV)

Encantado, 29 de dezembro de 2040

Hoje, quero falar-vos de coragem. Não só da coragem de estar numa linha de fogo com médicos intensivistas, ao lado de pacientes de covid-19, mas da coragem de afirmar o conhecimento contra a barbárie.

No tempo da pré-pandemia, que virtudes eram ensinadas aos nossos jovens? Se o professor não ensina o que diz, se transmite aquilo que é, o que ensinaria o professor instrucionista? Deixai que vos conte uma estória.

O Gastão era professor e se dizia homem digno, íntegro. Um amigo do Gastão ganhou a eleição para a prefeitura e convidou-o para ser o chefe de divisão de educação, criada pelo novo prefeito. Porém, seria necessário conferir seriedade à escolha. Foi aberto concurso público, concurso universal. Supostamente, qualquer cidadão, qualquer professor poderiam concorrer. Supostamente, em pé de igualdade!

Falta referir que o critério básico para admissão a concurso foi ser titular de licenciatura em… Ciências da Religião. O Gastão foi o primeiro (aliás, o único) classificado no concurso. Acrescente-se que o Gastão era professor de… Educação Religiosa e Moral.

Naqueles tenebrosos tempos, artistas se manifestavam, comparando a situação do Brasil com o enredo de uma novela da década de oitenta: a ‘Vale Tudo’. Segundo o António, a novela continuava atual. O folhetim televisivo era o retrato da corrupção, da falta de ética e da inversão de valores, que infetara a sociedade brasileira. A trama da novela era bem original e teve um final inusitado: os vilões não receberam punição.

Absurdas manifestações de negacionismo e as famosas fake news provocavam a erosão da coragem. Reagindo, outro corajoso artista, o Chico, atuava nas redes sociais desses tempos de Covid-19. Cantava a necessidade de uma vacina, que, de primária solução para a pandemia, havia sido transformada em politiqueira arma de arremesso.

Certa vez, lá por finais do dezembro de um ano incomum, quando evoquei as sábias palavras de Freire – Educação é um ato de Amor, um ato de coragem – uma amiga me recordou palavras de Osho:

“A palavra CORAGEM vem da raiz latina COR que significa “coração”. Portanto, ser corajoso, significa viver com o coração. O caminho do coração ê o caminho da coragem. É viver na insegurança, é viver no amor e confiar, é enfrentar o desconhecido. A pessoa que está viva, realmente viva, sempre enfrentará o desconhecido.”

Nos idos de vinte, amor sem coragem era sentimento estéril. Por isso, sempre que me perguntavam como se poderia operar mudança numa escola, eu respondia:

“Procurai um professor que ainda não tenha morrido”.

Por dezembro, me chegaram notícias da Praia da Fortaleza. Diziam ser um presente de Natal.  Eram imagens das experiências vividas pelas crianças do bairro, acompanhadas de algumas palavras:

“Espero poder relembrar que a escola não é só responsabilidade de quem tem filhos, mas de quem pretende ter, de quem ainda não tem, mas que estudou na escola no passado”. 

A escola do bairro continuava sendo usada segundo interesses de políticos, para dividir e enfraquecer uma comunidade, que assistia calada, desde há muitos anos. Mas, em Ubatuba, a mãe de duas lindas gêmeas resistia. No Rio, a corajosa Ingrid resistia. No Arraial da Ajuda, a Carolina e a Ilana também resistiam. Em escolas onde ainda havia professores vivos, se resistia. E a Carla tudo resumia numa frase:

“Coragem é a decisão, é a escolha, é a convicção, é viver.”

Se a coragem e a responsabilidade social tinham levado a Passagem de Ano para o aconchego dos lares, o Natal de 2020 tinha fechado um ciclo. E a coragem ressurgiria nos 365 natais de 2021.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCCXXXIII)

Lajeado, 28 de dezembro de 2040

Estávamos no final da última década do século XX, quando o ministério da educação resolveu aplicar uma prova da chamada “avaliação aferida”.

Na Ponte não se fazia prova. Na nossa escola, eram produzidas “evidências de aprendizagem”, praticava-se avaliação. Mas, os jovens deveriam tomar contato com o tipo de teste, que iria ser utilizado. Pedi a uma amiga, professora de outra escola, um dos testes, que ela costumava aplicar.

No “Preciso de ajuda / Posso Ajudar”, escrevi o convite para um encontro – a quem quisesse saber, eu explicaria o que era uma “prova”. Fiz algumas cópias do documento – aquilo que os brasileiros chamam “xerox” ~ e, no dia seguinte, pouco antes do horário combinado, já os jovens estavam à minha espera, na sala da “Iniciação”.

Distribuídas as “provas”, expliquei que deveriam responder às perguntas de interpretação, resolver umas questões de gramática e redigir uma composição escrita.

“Só isso, Professor Zé?” – perguntaram.

“Só isso” – respondi, acrescentando que disporiam de cinquenta minutos para completar a “prova”.

“Porquê cinquenta minutos, Professor Zé?”

“Não sei” – respondi que já tinha feito a mesma pergunta a professores que davam aula e que nenhum me soube dizer o porquê. Alguns diziam que eram cinquenta minutos porque “sempre tinha sido assim”. Pesquisando, eu viria a descobrir que nem sempre “tinha sido assim”, mas, os colegas auleiros não se interessaram pela minha descoberta.

Pedi que começassem a “prova”. Não tardou que houvesse braços erguidos. Perguntei se ainda havia dúvidas. E o diálogo se instalou como passo a expor.

“Não é uma dúvida. Este pedaço de texto foi tirado do “Cavaleiro da Dinamarca”, não foi?”

Aqueles jovens não usavam manuais didáticos. Liam as obras completas dos autores preferidos. E tinham lido as obras da Sophya.

“Veja esta pergunta: “O que foi que o cavaleiro viu ao longe?”. Temos de escrever nestas cinco linhas o que está no primeiro parágrafo: “O cavaleiro viu a casa de onde partira etc. etc.?”

“Sim, tereis de escrever isso”.

“Não, Professor! Vou escrever “ler o primeiro parágrafo”, sem perder tempo a copiar.”

Poupo-vos à descrição completa de um peculiar diálogo, indo ao fundo da questão. Encostei-me a uma mesa e avisei os alunos de que já tinham passado quase dez minutos e que só dispunham de quarenta para completar o exercício.

“Professor, o que está aí a fazer, parado? Vá trabalhar. Diga-nos para onde vai, que, quando chegar aos cinquenta minutos, nós lhe levaremos as provas já feitas”.

Respondi que teria de ficar na sala.

“Porquê?” – quiseram saber. E eu fiquei sem saber o que responder. Até que um aluno, que tinha chegado recentemente à Ponte, vindo de outra escola, se manifestou:

“Na outra escola, os professores ficavam na sala, quando fazíamos prova”

“Para quê?” – retorquiram os outros alunos.

“Para não deixar colar” (ou “copiar”, como se diz em Portugal).

Os jovens se voltaram para mim:

“Professor Zé, o que é “colar”?

O que poderia responder? Que, um professor ficava “vigiando prova”, no pressuposto que os alunos eram potencialmente desonestos?

O não verbal falava mais alto do que o verbal. Embora estivesse calado, o professor-vigia transmitia valores: falsidade, abastardamento, mentira, envilecimento, degenerescência. Também através da “prova”, o instrucionismo fomentava a… corrupção. Talvez fosse essa uma das razões por que, nos idos de vinte, uma administração educacional infetada pela corrupção intelectual e moral ainda impusesse, à margem da lei e impunemente, a prática do velho modelo instrucionista.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCCXXXII)

Novo Hamburgo, 27 de dezembro de 2040

A Clarice dizia-nos que aquilo “que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesmo”. Talvez por isso, em plena ditadura, o Mestre Agostinho recusou assinar um documento, que os esbirros da época exigiam de qualquer candidato ao exercício da profissão de professor. Esse e outros corajosos gestos valeram-lhe o exílio no Brasil (o que acabou sendo benéfico para o Brasil).

Um ativista indiano entrou em greve de fome e disse estar disposto a morrer contra a corrupção. E, no Brasil, a OAB criou um site: “Observatório da Corrupção”. Perante a ética deturpada dos idos de vinte e a inversão de valores como não há memória, esses sinais diziam-nos que nem tudo estava perdido.

Na contramão desses esperançosos gestos, o correspondente no Brasil do jornal “El País” escrevia:

Que país é este que junta milhões numa marcha gay, outros milhões numa marcha evangélica, muitas centenas numa marcha a favor da maconha, mas que não se mobiliza contra a corrupção?”

Quando o seu time perdia, o brasileiro reclamava, ia ao aeroporto, de madrugada, para xingar os atletas. Por que não se exigia a reforma política, o acabar de aposentadorias milionárias, a prisão de políticos corruptos? Vivíamos numa sociedade enferma de uma total inversão de valores. Quase não fazia sentido distinguir honestidade e desonestidade, valia tudo na senda de um “vencer na vida” que tudo permitia, deturpava, corrompia. O medo se instalara na sociedade brasileira. O medo provocava o esquecimento, como se jamais algo hediondo tivesse acontecido.

A palavra ética deriva do grego ethos (caráter, modo de ser de uma pessoa), representa um conjunto de valores morais e princípios da conduta humana. Sempre que me perguntavam qual fora o maior obstáculo à concretização do projeto da Escola da Ponte, eu respondia: o maior obstáculo fui eu. Fui eu, enquanto não me indignei, enquanto não agi, para assegurar o saber e a felicidade aos meus alunos.

Sem o saber, nos idos de setenta, eu adotara o princípio do Darcy: “Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca”. Num agir não-solitário, poderia mudar algo. Ainda que alguém acreditasse que o esforço de um só nada valia, era preciso agir. Mesmo que o medo nos assaltasse, era preciso reagir. Sem a coragem da indignação, a sabedoria é estéril 

Nos idos de vinte, dezenas de projetos surgiram, a educação do século XXI chegava (enfim!) ao Brasil e a Portugal. Em breve, vos contarei a estória da minha ida a Portugal, do meu regresso a Escola da Ponte. Viajei na companhia de educadores brasileiros. Levamos na bagagem utopias concretizadas nas terras do sul, para que fossem inspiração de utopias realizáveis nas terras do norte. Através de uma nova educação, se provou que a corrupção, o consumismo, o negacionismo, o racismo e outros ismos não eram fatalidades.

“Tropa de Elite 2” foi um dos meus filmes do Natal de 2020. Nada melhor, para escapar ao frenesim neurótico dos shoppings, do que mergulhar num caos de violência e morte, assistir às tentativas vãs de um Capitão Nascimento idealista, que se apercebia de que a guerra que travava não era dos bons contra os maus, que o mundo não era a preto e branco.

O filme terminava com a câmara de filmar sobrevoando Brasília. E o público irrompia numa entusiástica ovação. Depois, toda aquela gente, que aplaudira um herói entregue às suas lutas contra policiais e políticos corruptos, voltava para as suas casas, para a segurança de um emprego, para vidinhas feitas de novelas e big brother. Onde acabava a realidade? Onde começava a ficção?

Por: José Pacheco

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