Santo Antônio das Missões, 16 de novembro de 2040
No idos de vinte, já se sabia que, até 2030, oitocentos milhões de empregos seriam eliminados e que 80% das profissões de então já não existiriam. Nesse tempo e alheadas dessa projeção, as escolas preparavam os jovens para o exercício de profissões em vias de extinção.
Também por essa altura, os teoricistas dissertavam sobre competências do século XXI, enquanto praticistas reproduziam uma pedagogia do século XIX. Quanto muito, algumas escolas particulares reproduziam versões centenárias das propostas de Montessori, Steiner, Freinet, sem as atualizar. Eram práticas fósseis, misto de instrucionismo e escolanovismo mal assimilado.
Em 2030, dávamo-nos conta de um corolário de maldades. Aulas presenciais ou online, de contraturno, híbridas, invertidas, ou de outra moda qualquer, não conseguiam evitar a evasão e o insucesso escolar. Com ou sem Ritalina, com aulas de reforço ou escolas cívico-militares, ao longo de mais de um século, a administração educacional cometera o hediondo crime de privar milhões de jovens do direito à educação.
Eram injetados nas escolas projetos: de educação ambiental, mas o efeito de estufa aumentava, a Amazônia encolhia, espécies eram extintas e geleiras derretiam. Projetos de educação sexual não obstavam a que estudantes universitários estuprassem colegas, durante o trote. Havia projetos de educação para o trânsito e para a saúde, mas as estradas eram cemitérios, a covid-19 prosperava e a obesidade mórbida aumentava. Até havia projetos de educação para a paz, num tempo em que centenas de brasileiros eram assassinados, diariamente. Muitos professores adoeciam. E da indisciplina ao suicídio, se perderam gerações.
Acumulavam-se as teses nos arquivos das universidades. Assistíamos à importação de modismos pedagógicos e à proliferação de cursos, anunciando mágicas soluções. Assistíamos à propaganda enganosa de pseudo-inovações enfeitadas de novas tecnologias. Assistíamos ao desperdício de recursos e de gente.
A formação de professores era precária e esquizofrênica. Formadores publicavam teses sobre o paradigma da comunicação, enquanto propunham a aprendizagem centrada no aluno, em aulas centradas no… professor.
A regulamentação da lei estava concebida para uma escola do século XIX. Nas decisões de política educativa, predominavam critérios de natureza burocrática, quando deveriam prevalecer critérios de natureza científica. A Escola, que deveria ser produtora de conhecimento e de reelaboração cultural, era instrumento de reprodução social e cultural. Deveria ser um berço de oportunidades, mas aprofundava o fosso da desigualdade.
Estávamos em plena quarta revolução industrial. Não se tratava de tentar melhorar um modelo educacional herdado da primeira. Aliás, tal modelo já nem poderia ser melhorado. Num tempo de pós-verdade e negacionismo, mais se fazia sentir a necessidade de inovar, de refundar a educação.
Era essa a triste situação em que nos encontrávamos, nos idos de vinte. Mas, sabendo que a esperança nunca morreria, houve quem agisse e reagisse. Até ao início da terceira década deste século, paralelamente ao desperdício de talentos e de vidas, foram criados diferentes sistemas de… aprendizagem.
Numa prática dialógica, no primado da solidariedade, se recriava o sentido individual e coletivo dos saberes. Homeopaticamente, dos núcleos familiares aos círculos de vizinhança, das comunidades às redes, o ensino à distância acabou substituído por aprendizagens na proximidade.
Por: José Pacheco