Pontinha, 14 de maio de 2043
Houve uma idade áurea da educação brasileira. Aquela que, tendo começado no tempo de Lourenço Filho e do desencarne de Eurípedes, se prolongou até meados da década de sessenta. Nesse período, o nome de Anísio esteve sempre ligado a iniciativas que, se uma ditadura as não detivesse, talvez a educação de um país nesse tempo chamado de “terceiro mundo” se alçasse a níveis de qualidade muito superiores aos do “primeiro”.
Estávamos em 1971. E, nesses tenebrosos tempos, a luz que Anísio lançou sobre a Educação do Brasil quase se extinguiu com o seu sepultamento.
Assumindo as contradições da época em que viveu, defendeu a aplicação do conhecimento científico na educação. Contudo, o discípulo de Dewey considerava ser a educação uma arte, algo mais complexo do que uma ciência, estava crente de que a educação poderia atingir o nível das belas-artes, criticando a “aplicação precipitada ao processo educativo de experiências científicas que poderiam ter sido psicológicas, ou sociológicas, mas não eram educacionais, nem haviam sido devidamente transformadas ou elaboradas para a aplicação educacional.”
Anísio não imaginaria como o Brasil viria a sofrer com a invasão de modismos e o transplante de produtos de ciência de laboratório no chão da escola, mantendo-se intocável o essencial do velho modelo de escola: “o tratamento do aluno como algo abstrato a ser manipulado por critérios de classificação em grupos supostamente homogêneos, dando ao professor a falsa esperança de poder ensinar por meio de receitas, muitas das quais de científicas só tinham a etiqueta.”
Como seria útil aos educadores dos ido a leitura das suas obras! Teriam concluído ser necessário suster reformismos e experimentalismos e enveredar pela via da concepção de uma nova construção social de aprendizagem.
Mas, o novo ministério havia optado pelo back to basics, por uma sobralização de origem anglo-saxônica, confundindo desenvolvimento educacional com a construção de prédios escolares, confundindo educação integral com a ampliação do tempo passado dentro desses prédios. E os professores estavam demasiado ocupados na luta pela sobrevivência, não lhes sobrava tempo para o estudo.
Anísio não cabia no deserto de ideias dos idos de vinte e três. Quase nada mudara, desde a década de quarenta, quando o Mestre dizia ser aquele o “momento brasileiro”, o real divisor de águas entre as duas mentalidades que se defrontavam no Brasil: de um lado, os que, explícita ou implicitamente, não acreditam no Brasil, e de outro, os que acham que a nação se pode redimir pela educação.”
Nada de novo se anunciava. A reelaboração da cultura de escola e da cultura pessoal e profissional dos professores não acontecia. Se no Portugal desse tempo, a formação de professores era uma mentira assente no desperdício de milhões de euros, a do sul tropical se esgotava em si mesma, era um repositório de receitas avulsas debitadas sobre auditórios passivos. Os formadores faziam apelo teórico à prática de “metodologias ativas”, mas a metodologia efetivamente utilizada na formação era a completa negação da teoria.
A dimensão técnica nem era a mais importante, embora não devesse ser alienada. Num país onde a praga do analfabetismo ainda não fora erradicada, era inconcebível que houvesse quem não tivesse alguma vez trabalhado no chão de escola e orientasse formação em domínios tão sensíveis como o da alfabetização. Mas era o que acontecia, comprometendo esforços de mudança.
Felizmente, paralelamente ao “desnorte” instituído, algumas “suliações” aconteciam.
Por: José Pacheco