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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCIII)

ilhéus, 13 de abril de 2043

Fez ontem exatamente vinte anos, participei num congresso com especial significado. Naquele tempo, preparava condições de criar no sul da Bahia uma rede de protótipos de comunidades de aprendizagem e acreditava ser possível nelas incluir Ilhéus. 

O caloroso acolhimento da Genigleide, da Jussara e dos excelentes educadores da UESC, juntou-se à surpresa de encontrar uma nova geração de cientistas da educação ávida de mudança. E, também, a disponibilidade e propósito de tomada de uma decisão ética, como o reitor referiu, no seu discurso de boas-vindas.

Tendo eu dito ter sido aluno do primeiro curso de ciências da educação (a primeira licenciatura nesse domínio aconteceu na Universidade do Porto, em 1987), o diálogo se encheu de referências ao amigo Nóvoa, ao Canário, ao Sarmento… Esses e outros educadores portugueses eram bem conhecidos no Brasil. Sem descurar dos seus méritos, vi-me na necessidade de lembrar insignes mestres brasileiros. 

Já não me recordo de quem terá escrito que, junto com Anísio Teixeira, Paulo Freire e Darci Ribeiro, Lauro de Oliveira Lima formam o quarteto mais fecundo, fértil e injustiçado da história da educação em nosso país, mas sei que li algo assim, algures. E não eram apenas esses os injustiçados, os esquecidos ou não “aproveitados”. Havia registros de muitos mais. 

Que me perdoem os excelentes pedagogos vivos, se opto por celebrar aqueles que já não são deste mundo. Quando a eternidade se aproxima, enquanto o discernimento não se esvai por completo e a calma se harmoniza com a urgência, eu tento que as obras desses e de outros mestres sejam lidas por educadores sensíveis. 

Na singela intenção de despertar os educadores brasileiros para o rico patrimônio legado pelos mestres de antanho, não me esquecia de recomendar o estudo de Pedro Demo e de outros mestres vivos e ativos. Foi por essa altura que iniciei a escrita de ensaios sobre comunidades de aprendizagem. Optei pelo tom coloquial, acessível a todo e qualquer leitor, ao que juntava a sugestão de abordagens mais aprofundadas, ditas científicas, que as escolas e as universidades poderiam (e deveriam) produzir. 

Nas entrelinhas desses ensaios, talvez o leitor encontrasse contributos para repensar a escola e conceber uma nova construção social, que, efetivamente, educasse e fosse agente de desenvolvimento humano sustentável. 

À míngua de melhor designação, dei um nome à intenção: Novas Construções Sociais de Aprendizagem. no plural, pois uma ampla gama de opções surgia, a partir do momento em que alguém dissera que escolas eram… pessoas.

Em Maricá, no sul da Bahia, em Mogi, em Caçapava do Sul, em dezenas de lugares de cocriar, mudanças eram operadas nas escolas, acompanhando uma dinâmica semelhante àquela que, desde 1976, fora desenvolvida na Escola da Ponte. 

Com a configuração do primeiro “círculo de aprendizagem” na Ponte, outras iniciativas surgiram (algumas de efémera existência), a que se deve um conjunto significativo de mudanças operadas, reforçadas pelo surgimento do digital e do acesso à Internet. 

Em meados de oitenta, num encontro de formação, analisávamos as características dos círculos de estudos e alguém comentou: 

“O que nós já fizemos foi isto mesmo, sem lhe darmos este nome”. 

Foi nesses pioneiros grupos (a que não dávamos nome) que aprendemos a recomeçar, após cada contrariedade. Quando cheguei à Ponte, eu já havia vivido muitas situações de insucesso e de frustração profissional. ali, nos primeiros círculos de aprendizagem, pude transformar insucessos numa gramática de mudança. 

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCII)

Serra Grande, 12 de abril de 2043

Netos queridos, desde 2040, fui registrando reflexões sob a forma de cartas. Vejo, agora, que redigi um enunciado de perplexidades. As missivas falaram de escolas que, nos idos de vinte, anunciavam novos modos de aprender. Mas, durante demasiado tempo, quase todas se mantiveram ancoradas no modelo de ensinar, que denunciavam, por força de circunstâncias desfavoráveis.

A herança totalitária do Vargas, que liquidou os intentos da Nise, já ia longe, mas o autoritarismo da administração educacional manifestava-se em sutis modos de controle. O tempo de ditadura, que exilara Freire e Darcy, já ia longe, mas uma hierarquia mal disfarçada fazia estragos. E impedia que Freire e Darcy, efetivamente, regressassem do exílio. Bonsais políticos e burocratas se aliaram a pedagogos fariseus em tentativas de melhorar o que não poderia ser melhorado.      

As cartinhas foram portadoras de boas e más notícias, mensageiras de mais um propósito: o de dar a conhecer extraordinários educadores talvez ignorados pelos educadores “normais” (era o nome que lhes dava o meu amigo Bernard).  A divulgação de suas vidas e obras foi produto de impulso, a reação a medidas políticas, que significaram retrocesso, como a da “sobralização” ministerial de vinte e três.

Como diria o meu amigo Batata, quando a retórica era contraditória com as tendências práticas, havia espaço para desenvolver práticas que não eram as oficialmente induzidas, mas que poderiam ser justificadas e legitimadas pela retórica. 

Havia um espaço de legitimação para desenvolver outro tipo de práticas, mesmo que estas, muito provavelmente, não tivessem muito nem pouco financiamento, que esse ia inteirinho para empresas produtoras de paliativos. Havia espaço para centrar a formação no chão da escola, o que significava ligar a formação à vida e não para aceitar, passivamente, que a formação aparecesse quando se estava “sentado na escola”, ou, mais especificamente, “sentado na turma”.

Em meados da década de 1970, coube-me coordenar um programa de formação contínua de professores. Tratava-se de um programa ministerial com o intuito de “reciclagem dos professores” (como então se designava a formação continuada) com vista à “introdução dos novos programas para o ensino”. Mais por intuição do que por referência a um quadro teórico, fiz do primeiro momento um encontro de escuta, em grupo. Fora eleito pelos professores da região onde trabalhava e era com eles (e por eles) que qualquer projeto poderia ter lugar. 

Passei a trabalhar, fora de tempo letivo, com uma equipa de professores. Procedemos a um levantamento de recursos e encontramos uma Biblioteca Pedagógica fechada numa arrecadação da Delegação Escolar. Uma biblioteca muito bem apetrechada, mas jamais utilizada pelos professores. 

Retirado o pó, inventariados os livros, estes passaram a circular pelas escolas. O ritmo de requisições intensificou-se. As solicitações das escolas, também, e não tínhamos descanso. 

Fruto da dinâmica criada, não tardou a ser publicado o primeiro número do “Projeto”, boletim do Centro de Documentação Pedagógica. O texto de abertura tinha um título sugestivo:

“O que foi e será a formação contínua dos professores”. 

Estávamos em 1978!

Em 2023, os livros da biblioteca que o MEC mandara para as escolas de Maricá começaram a ser lidos. Professores excepcionais voltaram a retirar do pó do esquecimento obras fundamentais de apoio à mudança e à inovação, que se avizinhavam.

Como diria o Ariano, como sabiam pouco, faziam o pouco que lhe cabia, dando-se por inteiro.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXCVIII)

Lagoa das Amendoeiras, 8 de abril de 2043

Nas nossas idas ao sítio de Pocinhos de Rio Verde, enquanto subíamos a encosta do sítio, o Rubem apresentava-me as árvores, uma a uma. Colocava poesia em tudo o que escrevia e fazia. Prodigamente, erotizava Tanatos, transmutava tristeza em renascimento. O Rubem plantara árvores em memória de amigos já falecidos.

Também o vosso avô praticava rituais. Na Sexta-Feira da Paixão, escutava a Paixão Segundo São Mateus, de Bach. No Sábado da Ressurreição, o Messias, de Haendel. Ontem, após saborear a genialidade de Bach, religiosamente, me debrucei sobre o baú das velharias. 

Nele encontrei uns papéis escritos pelo Rubem, à mistura com um monte de CD rom. Já ninguém fabrica aparelhos que permitam reproduzir o seu conteúdo. Só um velhíssimo laptop me revela depoimentos neles contidos. Numa delas, achei palavras deixadas pela Helke numa mensagem feita de espírito pascal, de ressurgimento, recomeço:

Recomeçar assusta um pouco. Causa certo desconforto e medo. Mas permite novos horizontes. Traz a cura para certas feridas. Possibilita alegrias. Agrega a vontade de se reencontrar. 

Você enfrenta as turbulências e (re)descobre que a vida pode ser leve; abriga sorrisos e não desperdiça a chance de se fazer feliz. 

A vida é arte de encontro. De inspirar o desconhecido sem recear o que vem depois, porque a gente sempre se constrói nas escolhas que faz. Não tenha medo. Dê o primeiro passo, você não tem que conhecer o percurso todo. 

Tenta.”

Li essa mensagem, exatamente há vinte anos, num Sábado de Aleluia. Neste dia de há vinte anos, as palavras da Helke eram anúncio de ressurreição. Aleluia significa louvor, alegria, e essas suaves palavras foram como um bálsamo de curar feridas profundas, provocadas por dolorosas notícias:

Morre criança que teve corpo queimado em ônibus incendiado no Rio de Janeiro.”

A via-sacra do ódio não terminara. Mais de dois mil anos depois, Jesus sofria tormentos e continuava a morrer, no corpo de uma criança. 

O termo hebraico Pesach está na origem da palavra Páscoa e significa “passagem”. Simbolicamente, Páscoa é oportunidade para refletir sobre vida ressignificada. 

Em 1506, já não havia judaísmo em Portugal. Contudo, um grupo de cristãos-novos foi denunciado, por realizar um “Seder de Pessach” clandestino. 

Aquele dia fatídico era também a primeira noite de Pessach, data que por acaso coincidiu com a Páscoa dos cristãos. 

A cerimônia foi interrompida por religiosos fanáticos. Pessoas foram presas, enquanto a multidão, aos gritos, pedia que fossem queimados vivos por heresia.

A peste, que grassava em Lisboa, era uma situação propícia para o ódio e para o fanatismo religioso. A massa popular, sedenta de sangue, perseguiu e arrancou os cristãos-novos de suas casas, levando-os para as fogueiras onde seriam queimados vivos. 

As casas e os pertences das vítimas foram saqueados. Crianças e bebês foram jogados pelas janelas e contra as paredes. 

Por três dias, Lisboa foi palco de um massacre. Calcula-se que mais de dois mil judeus foram assassinados no massacre da Páscoa de 1506. 

Distopicamente, o fomento do ódio do século XVI perpetuava-se nas práticas educacionais familiares, sociais e escolares do século XXI. Cinco séculos decorridos, o câncer do ódio se reproduzia em violentos, tenebrosos atos.

Na Páscoa de há vinte anos, as palavras da Helke anunciavam um novo tempo. Diziam-nos que a cultura do ódio, em breve, seria debelada nas famílias e na sociedade, na Páscoa de escolas de fraterno recomeço, em práticas comunitárias feitas de amorosidade e de coragem renascida.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCI)

Uruçuca, 11 de abril de 2043

Já não me recordo, netos queridos, de quando iniciei esta troca epistolar. Nem consigo entender por que vos interessais pelas coisas da educação. Tivera eu, hoje, a vossa idade e talvez tivesse escolhido outra opção de vida. Escrever sobre educação não é um exercício de imortalidade. Quem vai além da palavra dita ou escrita e procura coerência na prática, morre em vida vivida, tentando não enlouquecer, por efeito da loucura dos homens. 

Mais ou menos por altura de vinte e três, desembocavam nos jornais, na televisão, nas redes sociais, notícias de “ataques a escolas”.  

“Adolescente deixa alunos feridos em ataque a uma escola particular de Manaus. O adolescente de12 anos, que teria levado uma arma branca dentro da mochila, feriu ao menos duas colegas de classe. O autor do atentado também se feriu com o instrumento que, segundo outros estudantes, era uma faca de cozinha.”

Nos idos de vinte e três, as distrações do essencial consistiam em inúteis debates sobre o “ensino médio” e a criação de inúteis grupos de trabalho para combater a violência. Se uns ressuscitavam uma teoria da conspiração – dessa vez com algum fundamento, pois persistiam estranhas relações entre governo, fundações e associações empresariais – outros contratavam “especialistas” vendedores de paliativos

Os ataques a escolas e outras explosões de violência eram a ponta de um iceberg chamado “sistema de ensinagem”. Essa aberração emergira há dois séculos e era da natureza do “sistema” o ser violento. 

A violência possuía vasto espectro semântico e origens. Medrava entre a infância desvalida de uma favela e a adesão ao tráfico. Entre a pedofilia praticada por clérigos e o estupro perpetrado nos lares de “pessoas de bem”. Entre o abandono afetivo e intelectual no antro de uma sala de aula a contínuas idas ao consultório de um pedopsiquiatra. Entre a violência simbólica exercida por funcionários do sistema e a destruição de projetos e perseguição dos generosos educadores que os produziam. Entre sutis formas de terrorismo digital e o lucro de abútricas empresas do mercado educacional. Entre a corrupção moral traduzida em inúteis congressos e a violência expressa na corrupção intelectual de uma “educação bancária” praticada por freirianos não-praticantes. 

Quando ajudava a criar o Projeto Âncora, visitei Casa Redonda de Carapicuíba. E a minha saudosa amiga Maria Amélia presenteou-me com um esboço elaborado por Lauro de Oliveira Lima, no início da década de 1960. 

Isso mesmo: nos anos sessenta! A visão percussora do Mestre Lauro impressiona. Embora marcado pela época, o esboço antecipou em trinta anos os primeiros estudos conhecidos sobre comunidades de aprendizagem de origem anglo-saxônica e catalã. 

O meu espanto foi maior, quando li a produção científica brasileira disponível sobre comunidade de aprendizagem. As referências bibliográficas e as práticas estudadas eram, quase todas, importadas. Síndrome do vira-lata na comunidade científica brasileira?

Netos queridos, quantas vezes já vos disse que, para uma nova educação, seria necessário conceber uma nova construção social de aprendizagem? Pois ficai sabendo que o mesmo fiz, nos idos de vinte, quando a Humanidade estava mergulhada em confrontos vis, violentada por pragas.

Septuagenário, o vosso avô reivindicava o direito de descansar um pouco. Apelava à intervenção direta de companheiros em críticos projetos. Convidava colegas das ciências da educação para práticas coerentes com o seu discurso. A contradição era insustentável. Era obsceno o seu silêncio.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCC)

Salvador, 10 de abril de 2043

O meu baú das velharias é uma caixinha de surpresas. Ontem, quando procurava umas recordações da Mãe Luíza, achei o início de tudo o que viria a acontecer, a partir do ano vinte e três. Misturado com um montinho de cartas, estava um “recado” da minha amiga Teresa, que junto a esta cartinha. 

A Teresa lembrava a necessidade de mudança e que o currículo era produção de conhecimento e não algo “pronto-a-vestir”, consumido a partir de um livro, do discurso de um professor, ou “baixado” da Internet.

A Teresa havia passado longo tempo no Brasil. Voltara a Portugal, quando eu segui os seus passos, visitando escolas da região onde ela tinha desenvolvido voluntariado. Numa curta permanência numa das escolas – o vosso avô era viciado em chão de escola – testemunhei incidentes críticos, observei novas práticas e delas fiz registos. Vos dou a ler um deles.

Estava eu rondando por “espaços de aprendizagem”, quando num deles entrou uma menina, que se dirigiu a uma professora nestes termos:

“Eu acho que já sei fazer raiz quadrada. Pode ver se eu sei?”

Espaço de aprendizagem não era outro nome que davam a salas de aula. Naqueles “espaços” não se praticava ensinagem. Acontecia aprendizagem, como ides ver.

 A tutora perguntou:

“Por que foste aprender raiz quadrada? Não me recordo de termos falado disso.”

“Pois não” – retorquiu a pequena – “Mas foi assim…”

Seguiu-se um saboroso diálogo. Faltam nele alguns pormenores, sobretudo termos idiomáticos baianos, que se me escaparam na tentativa de reproduzir o essencial.

“Então, diz lá por que estudaste raiz quadrada”.

“Lá na comunidade, fizeram uma quadra para futebol e basquete. E o meu pai pediu-me ajuda.”

“O teu pai pediu-te ajuda?”

“Sim. pediu.”

“Por quê?”

“Ele disse que era preciso pintar as linhas da área do goleiro, que é preciso fazer a roda de onde se atira a bola de basquete, e que ele já não se lembrava de como se faz.”

“E, então?”

“Então, eu estudei com a Maíra e o Gus e pus no meu planejamento essas coisas. Fui falar com o professor Nelson, da matemática e ele ajudou-me a estudar nuns sites da Internet e nos livros da biblioteca. E já aprendemos o que é um segmento de reta, um ângulo reto, como se faz uma circunferência, como se sabe a área do círculo, o que é o “pi” e por aí vai… Até vimos que havia uma coisa chamada “raíz quadrada” e que é uma coisa engraçada…”

Foi, mais ou menos, assim que captei a descrição de um processo de aprendizagem, que culminou deste modo:

“E o que queres que eu faça?” – perguntou a mestra.

“Que me passe uma raiz quadrada, a ver se eu sei fazer.”

A professora pôs num papel uma raiz quadrada com seis dígitos. Rapidamente, a mocinha resolveu a charada. A professora verificou: estava certa. E perguntou:

“E, agora, o que vais fazer?”

“Vou ajudar o meu pai a pintar as linhas e o que falta pintar na quadra.”

Tudo fora gravado no vídeo do ifone da professora. Quando a menina se foi, essa “evidência de aprendizagem” foi para o portfólio digital da aluna, para a plataforma digital da escola.  

A criança tinha partido de uma necessidade social, comunitária. Produziu currículo de comunidade. e até aprendeu a fazer raiz quadrada.

Resta dizer a idade da criança: sete anos.

Por essa altura, eu já perguntara a milhares de professores se sabiam fazer uma raiz quadrada e se, durante as suas vidas, tinham precisado de a fazer. Poucos se lembravam do como fazer (e só professores de matemática), ninguém dela tinha precisado. E eu me perguntava: 

Por que não tinham aprendido? 

Se ninguém precisara desse conhecimento, por que razão constava do currículo pronto-a-vestir desse tempo? 

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXCIX)

Ilhéus, 9 de abril de 2043

Netos queridos, votos de uma Páscoa feliz e regeneradora! Perdoai que esta cartinha seja, mais ou menos, “intimista”. E que comece deste modo:

“Zé, tu és teimoso. Para com isso! Vais continuar assim, neste desgaste contínuo? O meu marido até já disse que assim não dá. Tu vais mesmo continuar?”

“Vou.”

A vida de andarilho com pretensões de inovador era profissão de alto risco. A maldade corroía as intenções de mudança. E aquilo que mais abalou os projetos não foram os ataques sofridos vindos do exterior. Projetos pereceram, quando a maldade provinha de dentro. Como no projeto de Maricá, que vos hei-de contar, um dia e que só a intervenção da Equipe de Educação Humanizada impediu que, também, sucumbisse. 

Compreendi que chegava um tempo de transição, de sair de cena e “passar o testemunho” àqueles educadores, com quem aprendi a recomeçar, após cada contrariedade. 

Quando, em 1976, cheguei à Escola da Ponte, eu já havia vivido muitas situações de insucesso pessoal e de frustração profissional em outras escolas. A solidariedade de um círculo de estudos permitiu transformar a acumulação de insucessos numa gramática de mudança.

As vias-sacras sempre desembocavam em renovação. Entre a escola e a casa, eu chorava por dentro. Quando chegava a casa, fechava-me no escritório, colocava o vinil a tocar o segundo andamento da Sétima de Beethoven. Depois, mudava de roupa, que aquela que vestia estava encharcada de lágrimas. 

No dia seguinte, tudo recomeçava. A minha resiliência se juntava à resiliência da equipe, e recomeçávamos mais fortes do que antes. 

Nos idos de vinte, foram muitos os dias em que quase estive para desistir da vida que levava. Desgastava-me em longas viagens, desperdiçava os meus parcos recursos num afã desgastado por pequenas e grandes deslealdades. Eram dolorosas aquelas que vinham “de dentro” e que punham em causa a autonomia dos projetos. 

Fundamentado na lei e numa ciência prudente, eu reivindicava o exercício de autonomia administrativa e pedagógica. Quando me sentia hesitar, quase a desistir, recomeçava, valendo-me da inestimável solidariedade de uma equipe, que assumiu o acompanhamento dos projetos. E, por meados de vinte e três, pude começar a desaparecer, a cultivar o dom do desapego.

Por que estou a mostrar a humana fragilidade? Para que compreendais que os projetos humanos são atos coletivos. No início de cada projeto, compreendendo o medo e respeitando a atitude conservadora daqueles professores que não queriam mudar, recomeçávamos a partir do que éramos, com o pouco que sabíamos, valendo-nos da intuição e da amorosidade, que nos moviam.

Eram vários os caminhos, apenas seria preciso que um núcleo de projeto desse os primeiros passos. Apenas seria preciso que houvesse numa escola um educador, que “ainda não tivesse morrido” e decidisse recomeçar um projeto de vida pessoal e profissional. 

Projetos nasciam de necessidades, desejos, problemas, sonhos. De interrogações, que requeriam respostas científica e legalmente fundamentadas. Muitos educadores já tinham reaprendido a fazer perguntas. E eu esperançava, quando acolhia depoimentos como este:

Pensamos em desistir várias vezes e retornar ao caminho antigo. Então, fomos criando estruturas organizacionais, que nos permitiram interagir em novas formas com as crianças.” 

Mais uma vez, a intuição e a amorosidade se juntavam à decisão ética de educadores conscientes de que, para uma nova Humanidade, seria necessária uma nova educação – e, para uma nova educação, uma nova construção social de aprendizagem.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXCVII)

Niterói, 7 de abril de 2043

Na introdução a umas cartinhas enviadas para o além, arrisquei explicar o “porquê” de as ter redigido. 

Talvez devido à minha origem – as chamadas “ciências exatas” – dava por mim a usar metáforas da Física. Por exemplo, o conceito de inércia: perante os trágicos efeitos das suas práticas os professores não as mudavam. Ou o conceito de resiliência: por que razão alguns mudavam, apesar dos imensos obstáculos com que deparavam? Que estranha energia os animava? Se a maioria cultivava a “resistência à mudança” – conceito caro às ciências da educação – por que acontecia a mudança de alguns?

Em 1905, o físico Einstein criou uma fórmula: e=mc². Ensaiei a sua adaptação, dado que a pedagogia também vinha adotando conceitos da Física. E assim ficou a equação adaptada:

“A energia (e) de alguns é resultante de uma mudança (m) operada por contágio (c) combinado com um determinado contexto (c).”

Isso mesmo! A mudança acontecia pelo exemplo dos educadores, numa práxis coerente com os valores dos seus projetos. Acontecia, quando esse contágio se associava ao contexto, no qual a educação poderia e deveria acontecer, isto é: a comunidade. 

Há, mais ou menos, um quarto de século, enviei uma carta para o Mestre Lauro, para que ele confirmasse o que havia escrito:

“A expressão escola de comunidade procura significar o desenquistamento isolacionista da escola tradicional.  Escola, no futuro, será um centro comunitário. 

A escola não se reduzirá a um lugar fixo murado.”

Porque só pergunta quem já sabe a resposta, não esperei que, por esotéricos meios, me chegasse uma mensagem confirmadora. Eu estivera conversando com o Mestre, na sua casa do Recreio dos Bandeirantes, pouco antes de ele partir para junto do Darcy. E ele me dissera que mantinha a definição de comunidade, que formulara trinta anos antes da proposta teórica do Flexa.

Por essa altura, o vosso avô já tinha assistido a mais de quarenta anos de tentativas de reformas e à sua inevitável falência, por não ousarem operar rupturas. Manifestava a perplexidade que levou Einstein a afirmar que insistir no errado era sintoma de loucura. E formulava perguntas consideradas incômodas:

“O que se aprende dentro de um edifício escolar, que não possa ser aprendido fora dos seus muros?

Se, em comunidade, o espaço de aprender é todo o espaço, tanto o universo físico como o virtual, se é a vizinhança fraterna, pergunto:

“Quando se aprende? 

Nas quatro horas diárias de uma escola-motel?

Duzentos dias por ano? 

Que sentido faz uma “idade de corte”, se não existe uma idade para começar a aprender?” 

A todo o momento aprendíamos, desde que a aprendizagem fosse significativa, integradora, diversificada, ativa, socializadora. O tempo de aprender era o tempo de viver, as vinte e quatro horas de cada dia, nos trezentos e sessenta e cinco dias (ou 366) de cada ano, mais seis horas. 

Os “paidagogos” não mais deveriam conduzir crianças para um prédio. deveriam libertá-las da reclusão de um gueto escolar e devolvê-las a uma escola “desenquistada”, nodo de uma rede de aprendizagem colaborativa.

Enquanto a comunicação social fazia eco de discurso de políticos, deslocado de um mundo incerto e em mudança acelerada, nós refletíamos sobre o tempo de aprender. E ensaiávamos uma nova gestão de espaço-tempo. 

Enquanto isso, a maioria dos professores reproduzia práticas fósseis, os teoricistas debatam o sexo dos anjos da pedagogia, os “especialistas” reinventavam a roda da educação, os legalistas publicavam palimpsestos e empresas “especializadas” aplicavam sanguessugas num cadáver adiado.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXCVI)

Jaconé, 6 de abril de 2043

Jaconé era um bairro limítrofe dos municípios de Saquarema e Maricá, lar de pescadores e surfistas. Das três escolas que por lá havia, uma delas se integrava no município de Maricá, num bairro chamado “Coreia”, um bairro banhado pelo final da Lagoa de Saquarema. Na sua praia, as famosas “beach rocks”, citadas por Charles Darwin, eram atrativas para pesquisadores. 

A manhã deste dia de há vinte anos, mostrou-se auspiciosa. Entre o entusiasmo da diretora Raquel e o receio misturado com a prudência da Rosane, a Escola Dilza Rego passaria a ser o berço de mais um protótipo de comunidade. 

A equipe de projeto se completaria com a Cláudia e a Gláucia, mãe de um lindo menino e agente cultural especializada em saúde pública. As “triangulações” a operar estavam presentes: Família-Sociedade-Estado (através da Escola); Poder Público-Universidade-Comunidade; Escola-Saúde Pública e Ambiente-Arte e Cultura.

O estabelecimento de uma relação de ganha-ganha com as famílias dos alunos e a integração comunitária do projeto permitiram ultrapassar dificuldades de comunicação. E a Equipe de Educação Humanizada (a que eu me orgulhava de pertencer), solidariamente partilhou saberes. 

No mesmo dia em que nascia mais uma comunidade de aprendizagem, quatro crianças eram assassinadas por um tresloucado. Nesse dia, a Amanda não conseguiu realizar o habitual encontro no Instagram. Ser humano dotado de uma sensibilidade extrema, deste modo manifestou a sua tristeza e indignação:

“A gente não pode ignorar o que está acontecendo. O mundo está doente. A sociedade está doente. As pessoas estão adoecendo, cada vez mais agressivas.

Toda essa indignação que a gente está sentindo não pode ficar pelas ideias e ser esquecida na semana que vem. É preciso olhar para essa loucura, esse caos, e saber que caminho a gente precisa construir.

Um caminho! Não mais um paliativo! A escola que, em tese, deveria ser o espaço do acolhimento, de escuta, de diálogo e referencial de construção de humanidade está sendo um palco de violência.

Quem trabalha com a educação precisa começar a questionar, a perguntar:

“Por que está acontecendo?”

Saber qual é a nossa responsabilidade. Porque educar é saber criar relações.”

Os políticos e os administradores do sistema talvez não tivessem escutado a Amanda. Um coro de lamentações se levantava, cada vez que um ato de violência era perpetrado. E as declarações públicas eram réplicas de anteriores situações:  

Massacre em creche de Blumenau força autoridades a tomar providências.”

“Congressistas pressionam por leis mais rigorosas contra violência em escola.”

Lula exige medidas urgentes contra violência em ambiente escolar. Presidente convoca reunião extraordinária, cobra ações, e ministros anunciam liberação de verba para reforçar rondas escolares.”

Mais medidas paliativas, mais punições, mais policiamento… Enfim! 

Por seu turno, os acadêmicos muito escreveram sobre a origem, as causas, as consequências da violência. Numa breve busca, achei centenas artigos e teses sobre a violência intramuros das escolas. O diagnóstico estava feito. Todos os tratados que visavam acabar com a violência já estavam escritos. Só faltava acabar com a violência.

Ela crescia no seio da família, socialmente medrava, e adentrava os muros das escolas. Mas, nesse dia de há vinte anos, uma escola de Jaconé inaugurava um tempo de paz. De lá, recebi esta mensagem:

Gratidão, Mestre! Estive esperando minha vida inteirinha. E nada, nada mesmo acontece por acaso. Eu creio! Toda minha gratidão a você e à sua equipe.”💓

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXCV)

Morada das Águias, 5 de abril de 2043

Nada acontecia por acaso, somente por sincronicidade. Aquela era a Morada da Águias, o lugar de “voar mais alto”. E me dispus a recorrer a personificações, tal como no livro que escrevi para ti, Alice. No “Para Alice, com Amor”, me refugiei em metáforas, para não enlouquecer. Nesse livrinho, te descrevi a gaivota, o “Pássaro Encantado”, o pelicano, o sabiá…

A Escola deixara de fazer sentido e eu me perguntava se faria sentido ficar parado, a ver passar tempos de mudança. Assim como um senhor chamado Vieira (de que vos falei, ontem) pregava aos peixes, por serem os humanos incapazes de ouvir, nesse tempo, o teu avô enviava recados às aves, porque muitos professores já não sabiam escutar. 

Foi na Escola Ataliba que conheci a Comunidade de Aprendizagem da Morada das Águias. A diretora Mariângela dispunha de uma bela equipe. A excelentes educadoras como a Janaína, a Hélke, a Karoline e a Isabel, se juntaram a Josilene e a Christiane, no início daquilo que viria a ser o primeiro protótipo de comunidade de Itaipuaçu. 

Importa recordar fatos e protagonistas de inovações de há vinte anos, para que a memória de tempos difíceis não se apague. E, porque sempre que educadores éticos se disponibilizavam para empreender caminhos de mudança, logo surgiam obstáculos por muitos julgados intransponíveis. 

O primeiro dos obstáculos era eu, era cada um de nós. Acompanhando o processo de desconstrução e reconstrução cultural das educadoras, precisei de me desconstruir e pôr à prova tudo aquilo que tinha sido a minha formação experiencial. Precisei de criar distância física, tirando partido da Internet, para não cair na tentação de influenciar e até mesmo, involuntariamente, impor práticas que eu considerava “eficientes e eficazes”.

O segundo obstáculo era algo amargo. Se o maior aliado de um professor era o outro professor, o maior inimigo do professor que ousava mudar era outro professor, o da sala do lado. Foram muitas as pequenas e grandes traições, as deslealdades sofridas. Mas, tudo a equipe da Mariângela suportou e ultrapassou. 

As estórias, que vos contei, há mais de quarenta anos, começavam deste modo:

“Era uma vez, um reino encantado, junto ao mar. Encantado, porque uma fada má transformara todos os seus habitantes em pássaros. Junto ao mar, porque convém ao enredo da história”. 

Dessa vez, a estória também começava junto ao mar de Maricá e no sopé de uma montanha de Itaipuaçu, onde a águia morava. 

A águia é considerada a rainha dos céus. Muito mais do que um ser humano dito “normal”, ou do que o vosso estrábico avô, a águia tem uma visão de 340°, uma visão HD. Além de enxergar em distâncias, que a visão de um ser humano jamais conseguiria alcançar, a águia distingue cores que nós não conseguimos ver. E, também, possui uma audição incrível. 

Apesar de ser considerada ser irracional, possui belos traços de comportamento. A águia não sente medo. Vive em topos de montanhas, voa em grandes altitudes. E durante uma tempestade, não para, usa o vento forte para alcançar mais altitude.

Não come carne morta. E, apesar de ser tida como impiedosa, quando se trata de seus filhotes, a águia é muito cuidadosa e protetora. Em condições extremas, como o frio e muita chuva, nunca abandona o ninho. O águia macho cuida dos filhotes e permanece ao lado deles o tempo todo, mesmo nas primeiras tentativas de voo da sua prole. Até os filhotes começarem a se virar sozinhos, “dividem” as tarefas. 

Quando a sua vida está perto do fim, isola-se em montanhas altas e espera os seus últimos momentos.

Netos queridos, eu sei que entendestes a mensagem.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXCIV)

Itajubá, 4 de abril de 2043

Voltei ao sótão da casa velha, para jogar fora o baú das velharias, vazio, enferrujado. Atrás do pesado baú, encontrei um embrulho. Retiradas as teias de aranha, sacudido o pó, ali estava um molhinho de cartas enviadas a entes falecidos. 

Todas elas têm data de há trinta anos e nos falam de comunidade. Se a humidade as não danificou, vo-las darei a ler. A primeira das cartas é dirigida ao Padre Vieira e aborda um fenômeno desse tempo, felizmente já erradicado: a corrupção. 

“Qual a causa da corrupção de uma terra? Ou é porque o sal não salga e os pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem do que fazer o que dizem. O que se há de fazer ao sal que não salga e à terra que não se deixa salgar?”.

Deixarei para outra cartinha a reflexão do Vieira sobre a praga “corrupção” e selecionarei um pedaço de prosa, em que o jesuíta nos fala da crise de “escuta” setecentista e do tempo em que escrevi as cartas achadas no sótão.

Prezado Antônio, em São Luís do Maranhão, longe da Lisboa onde Santo António havia nascido, quiseste lembrar o “santo casamenteiro”, atribuindo ao sermão proferido nessa data a designação de “Sermão de Santo António aos Peixes”. 

Estávamos em 13 de junho de 1654. Três dias depois, embarcaste para Portugal, escondido no fundo de uma nau. Estava no auge a luta dos jesuítas contra a escravização dos índios e tu ias procurar apoio no outro lado do mar. 

Esse teu sermão é revelador da tua ironia e da capacidade de observação dos vícios dos colonizadores e dos esbirros da Inquisição, que lograste ludibriar recorrendo a alegorias. Jesuíta inteligente e moralista exímio, deitaste mão a metáforas memoráveis, que, se eram ajustadas à crítica dos costumes da sociedade do século XVII, continuam atuais – quiseste pregar aos peixes, enquanto os homens não te quisessem escutar. 

Permite, meu Vieira pregador, que transcreva um excerto do teu primeiro sermão: Pregava Santo António e, como erros de entendimento são dificultosos de arrancar, não só não fazia fruto o santo, mas chegou o povo a se levantar contra ele e faltou pouco para que lhe não tirassem a vida. Que faria neste caso o ânimo generoso do grande António? Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo? Isso ensinaria porventura a prudência ou a covardia humana; mas o zelo da glória divina, que ardia naquele peito, não se rendeu a semelhantes partidos. Pois que fez? Mudou somente o púlpito e o auditório, mas não desistiu da doutrina. Deixa as praças, vai-se às praias; deixa a terra, vai-se ao mar, e começa a dizer a altas vozes: Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes.

Esse trecho era tão eloquente, que qualquer peixe, por menos atento que fosse, lhe conferiria significado. Porém, a educação brasileira, que, em recuados tempos, sofrera os efeitos da Inquisição, continuava cativa de novas inquisições. Se não, repara!

Reconhecendo que os alunos da escola pública estavam “em desvantagem”, se instituiu bonificação de 20% sobre a nota do ENEM, para usufruto dos pobres coitados, que foram objeto de mau trato pedagógico. Debatia-se o ENEM e o Ensino Médio, enquanto professores eram assassinados por alunos e a desigualdade se perpetuava.

Acreditas, António, que até eram formados professores “especializados em bullying”? Mas, fica sabendo que o sonho não esmorecia. Nos idos de vinte, aconteciam encontros de educadores, que dialogavam, refletiam, interpelavam o status quo. Educadores que partiam da escuta, para repensar a educação necessária. E agir!

 

Por: José Pacheco

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