Estórias da Velha Escola (XV)

Ceilândia, setembro de 2039

Netos queridos,

Para compreenderdes as vicissitudes por que a Educação passa no vosso tempo, tereis de conhecer as do passado. Há exatos vinte anos, encontrei no youtube (recordais-vos desse velho site de compartilhamento de vídeos?) uma entrevista com o António Nóvoa. Nessa entrevista, assim se manifestava o amigo António: “Palestras? Seminários? Isso serve pouco!”

Naquele tempo, ninguém duvidava da sabedoria do António. Ninguém poderia pôr em dúvida a competência profissional e a autorizada palavra desse mestre. Ele era o representante de Portugal na Unesco e, talvez, a voz teórica mais coerente e consistente no campo da educação. E o que nos dizia o António nessa entrevista?

Afirmava que o modelo educacional centrado no professor, na aula, na turma, deveria acabar. Que seria necessário estabelecer uma nova relação com o conhecimento e definir outro papel do professor. Este não deveria ser mais o professor individual, solitário, em sala de aula, mas integraria um coletivo, trabalhando em equipe. Dizia que a informação estava em todo o lugar: na biblioteca, na Natureza, nas pessoas, na Internet, mas de forma caótica, desorganizada, semeada de fake news… que seria necessário desenvolver senso crítico, autonomia moral e intelectual, ensinar a pesquisar, a aprender. O papel do professor já não deveria ser o de transmitir informação, mas o de ajudar a dar sentido ao conhecimento, para que os alunos dele se apropriassem.

Não aquela coisa de… dar aula! – exclamou o António, ao referir-se ao “panorama da formação no Brasil, muito problemático, tal e qual no mundo” (sic). Seria preciso colocar o foco na formação profissional dos professores:

Há universidades que têm uma formação extraordinária… do ponto de vista teórico. Mas, não têm um espaço de formação de professores, onde se produza a profissão.

Sábias palavras! A Universidade deveria estar ligada à profissão e às escolas. Os três ou quatro primeiros anos da vida de professor eram os mais importantes, definiam a sua profissionalidade. Por isso, a formação continuada deveria ter como locus principal a escola, na produção de novas práticas. E o mestre acrescentou:

Não é preciso reinventar a roda! Temos de evoluir de uma lógica de disciplinas para uma lógica de problemas da Terra, das cidades, respeitando as dimensões estruturantes das disciplinas. Não adianta ir a cursos, seminários, acções de formação. Tudo isso é um negócio imenso, que existe no mundo, que existe no Brasil, também. É um negócio que serve de muito pouco para a formação dos professores. A gente ouve umas pessoas falar de umas coisas, mas pouco adianta. A formação de professores não é ir ouvir palestras. Isso de pouco serve.

Sei que acreditais no que o vosso avô vos diz. Mas, se no reino do virtual ainda restar cópia da entrevista:

Formação Continuada De Professores – Palestras, Seminários? Isso Serve Pouco 

Talvez porque a entrevista não fosse conveniente a podres poderes, não “viralizou”. Não convivira aos donos dos “sistemas de ensino” que as famílias, a sociedade e as escolas se apercebecem da falência do sistema de ensinagem e da possibilidade de se criar um de aprendizagem.

Isso acontecia, vinte anos atrás. Se, hoje, os vossos filhos aprendem o necessário para viver uma vida decente, devem-no ao porfiar do António e de esperançosos, éticos e anônimos educadores daquele tempo.
Recebei o amoroso abraço do avô Zé.

Por: José Pacheco

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