Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXXXVI

Agrela, 12 de março de 2044

Quando nascestes, netos queridos, enviei-vos cartas descrevendo a escola do início de século, augurando uma escola acolhedora na idade de irdes à escola. Retomo, agora, o exercício epistolar, iniciado na primeira década do vigésimo primeiro século, para que saibais como era a escola no tempo em que o vosso avô nela se iniciou (em meados do século vinte) e como ela era, cinquenta anos depois. 

É confusa esta “viagem no tempo”? Pois ficai sabendo que o tempo não existe, nem estabelece os rumos da humanidade. Foram seres humanos amorosos que, em amorosos atos, geraram impulsos de humanização. Foram educadores esperançosos e éticos que marcaram o tempo da mudança, rumo à idade da educação, que os futuristas dizem ser a década de 40. 

Nesta carta, escolhi falar-vos de alguém, que, em meados da década de setenta do passado século, erguia comunidades. Com ela aprendi o dom da gratuita oferenda. O seu labor foi quase contemporâneo da publicação do “Escola de Comunidade” do Lauro brasileiro e muito anterior ao enunciado de princípios concebido pelo Ramon da Catalunha. 

Em 77, a Escola da Ponte imaginada pelo vosso avô era já comunidade. Trabalhava um ano inteiro com a Associação de Pais, na preparação da “Colónia de Férias” das crianças. 

Estávamos a cerca de 30 quilómetros do mar, mas a maioria das crianças (e dos seus pais) nunca tinham pisado a areia de uma praia. O tempo de férias das crianças era passado na rua, no mato, ou auxiliando os pais nas vindimas e em outras labutas familiares. 

Em 76, organizamos festas, tômbolas, saraus, vendemos rifas, pedimos ajuda a quem podia ajudar. Com o dinheiro obtido em mil e um modos de o angariar, foram feitos 180 leitos-beliches, adquiridos utensílios de cozinha e outros materiais. Formei alguns monitores, fui negociar alojamento numa escola à beira-mar. E, pela primeira vez, as famílias do bairro da Ponte puderam ver o mar.

A Tita, sem ser missionária também não era demissionária. Era professora apenas. E, sem querer saber se Julho era mês de férias, levava à praia crianças e adultos que nunca tinham visto o mar. E escrevia: 

“Chegámos à praia felizes por sentir a areia nos pés. Bem depressa cada um se começou a despir, indiferente aos olhares de espanto de gente que nunca tal coisa viu. 

Os Torres, de cabelos rapados onde ainda se notavam sinais das lêndeas esmagadas pela tesoura da poda, tinham um ar de presidiários famintos da vida e do ar que lhes oferecíamos.  Também eles queriam mostrar os seus fatos de banho.

Ó, meu Deus! Que vergonha! Aqueles meninos só têm cuecas! – E, envergonhada, a gentil senhora mandou o filho levar-lhes um fato usado. Ficaram felizes os Torres. E ei-los a correr alegremente para o mar, dispostos a acabar com a raça das cuecas velhas do pai. E os Almeidas eram tantos! Nove na mulher e quatro na amante. Tinham um distinto ar de ciganos matreiros a quem a vida ensinara a vencer. 

Naquele tempo, não era preciso mostrar serviço, não havia a preocupação de separar o letivo do não-letivo, de apartar os cognitive skills dos non cognitive skills, nem de depender do limite de horas da “carga horária”, porque carga era coisa de asno, não de gente que… FAZIA. 

Naquele tempo, já tínhamos apercebido de que quem sabe faz, quem não sabe ensina. O Dalai Lama e o Presidnete Kennedi também sabiam…

“A única coisa que importa é colocar em prática, com sinceridade e seriedade, aquilo em que se acredita” (Dalai Lama). 

Um homem faz o que deve fazer – apesar das consequências pessoais, apesar dos obstáculos, perigos e pressões – e é essa a base de toda a moralidade humana” (John Kennedy).

 

Por: José Pacheco

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