Caetité, 12 de março de 2040
Ontem, completaram-se 69 anos sobre o dia em que Anísio Teixeira foi assassinado. Como não é por acaso que há acasos, estou em viagem, prestes a chegar a… Caetité. Isso mesmo: irei revisitar a casa onde Anísio viveu os últimos anos da sua vida. Visitei-a quando adentrei os cafundós da educação baiana, no início deste século. Passei longas e saborosas horas lendo livros da biblioteca que Anísio nos deixou. Num desses livros, Anísio falava-nos de um “divisor de águas entre duas “mentalidades, que se defrontavam no Brasil: de um lado, os que, explícita ou implicitamente, não acreditavam no Brasil, e de outro, os que achavam que a nação se poderia redimir pela educação.
As escolas do passado eram cemitérios de talentos, túmulos de inovadores. A escola absorvera funções tradicionais da família e da vida comunitária e que à vida comunitária deveria ser devolvida, dado que, nas palavras do mestre, “a educação de um povo somente em parte se faz pelas suas escolas”.
O malogrado Mestre pugnava por uma nova escola, que substituísse aquela que reproduzia formas arcaicas de ensino pela “exposição oral” e “reprodução verbal”. Uma nova escola, irmanada com outras instituições de transmissão da cultura, “em uma comunidade altamente complexa e de meios de vida crescentemente especializados”. Lauro tinha publicado a obra “Escola da Comunidade” e era de comunidade de aprendizagem que o mestre Anísio, a seu modo, nos falava.
Anísio estava consciente de que não poderíamos continuar estrangulados numa camisa de força legal, graças à qual “alterar a posição de uma disciplina no currículo ou diminuir-lhe ou aumentar-lhe uma aula fosse considerada uma ‘reforma de ensino’”. Mas, os regulamentos das secretarias da educação estavam concebidos para manter o statos quo. No mundo da educação de há vinte anos, imperava o tráfico de influências, a corrupção e a “incompetência especializada”, reforçadas pela indiferença de uma sociedade civil manipulada. O problema era estrutural, não era meramente conjuntural. Funcionários movidos por Interesses corporativistas e outros obscuros interesses haviam conseguido que a corrupção também penetrasse na… Educação.
Uma secretaria citava Anísio no documento orientador da política educacional do estado (“Currículo em Movimento”). Mas o currículo imposto pela secretaria impedia o movimento, estava parado no tempo. Os funcionários dessa secretaria chamavam “escola classe” e “escola parque” – conceitos criados por Anísio – a alguns prédios que, nesse tempo, eram considerados “escolas”. Mas as práticas desenvolvidas dentro desses prédios eram contrárias à proposta do Anísio da “Escola Nova”. Anísio postulava que o aluno deveria ser o centro do processo de aprendizagem, mas a administração educacional impunha às escolas práticas instrucionistas, nas quais o centro era o… professor.
A escola-classe, que Anísio tentou instalar em Brasília, em meados do século passado, foi rechaçada, em abaixo-assinado, pela população de um bairro de classe média alta, com o apoio da administração. E, nesse já distante 2020, os burocratas instalados nas secretarias da educação assassinavam projetos que, concretizados, tornariam realidade o sonho escolanovista e assegurariam a todos o direito à educação. Impunemente, a burocracia perpetrava o segundo assassinato de Anísio Teixeira: a morte da memória.
Por: José Pacheco
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