Águas Claras, 12 de abril de 2040
No abril do nosso confinamento, Ignácio de Loyola Brandão publicou o livro “Desta Terra Nada Vai Sobrar a Não Ser o Vento que Sopra Sobre Ela”. O título fora extraído de um poema de Brecht sobre a Alemanha nazista. O livro começara a tomar forma, quando o imortal da Academia Brasileira de Letras leu num jornal que, no futuro, a ciência poderia produzir um homem sem cérebro, sem emoção. Felizmente – pelo menos até agora, na década de quarenta – o ser humano ainda possui e manifesta sentimentos. Mas sei que, nesse recuado tempo do vírus “corona”, o sistema de ensinagem produzia bonsais humanos, protótipos desse imaginado “homem do futuro”.
Nesse mês de abril, era evidente a normose instrucionista, “a vida normalizara-se naquela anormalidade”. A frase de abertura do livro do Loyola Brandão fora escrita por Euclides da Cunha, na obra “Os Sertões”. No meu caderno número treze, registrei o modo como Loyola Brandão justificou a citação: “No momento em que a normalidade é o normal, com os índices de feminicídios, as milícias que comandam o Rio de Janeiro e as facções, isso não é o normal. Isso é uma anormalidade dentro do cotidiano. A gente vive uma situação de medo, de sobressalto. Nós estamos sendo conduzidos como na fábula do flautista que toca e conduz os ratos que vêm atrás para o precipício. A normalidade seria o respeito à lei”.
A normalidade seria respeitar a lei, diz-nos o escritor. Mas, as secretarias de educação obrigavam as escolas a desrespeitar a lei. O sistema de ensinagem havia sido interpelado por professores conscientes do genocídio educacional, que o instrucionismo causava. Mas, nesse diálogo de surdos, as secretarias excluíam e perseguiam quem ousava questioná-las. Não restava alternativa. Se as secretarias ostracizavam propostas fundamentas na lei, os professores passaram a ostracizar as propostas emanadas das secretarias, por estarem fora-da-lei. Na Páscoa do isolamento social, Loyola Brandão vinha confirmar a justeza da decisão tomada por esses professores – “Parece que a reação já começou com a desobediência civil”, dizia. E lembrava aos professores, em particular, o exemplo de mestres como Gandhi.
Na Índia da primeira metade do século XX, Gandhi reagiu às injustiças perpetradas pelo Império Britânico. O monopólio britânico proibia os hindus de produzir o seu próprio sal e Gandhi decidiu desobedecer às “Leis do Sal”. Quando o colonizador ameaçou com represálias, Gandhi informou o vice-rei de que iniciaria uma desobediência civil em massa. E levou os indianos a desafiar o imposto salino cobrado pelos ingleses. A “Marcha do Sal” foi uma das iniciativas não-violentas, que contribuíram para libertar a Índia do colonialismo britânico. Gandhi era advogado especialista em ética política. Se vivesse nos idos de 2020, certamente estaria irmanado com os professores que desobedeceram a imposições e resistiram às ameaças … para cumprimento da lei.
O termo hebraico Pesach está na origem da palavra Páscoa e significa “passagem”. Simbolicamente, Páscoa é oportunidade para refletir sobre vida ressignificada. A Páscoa da Aprendizagem começou na Escola da Ponte, há sessenta e quatro anos. A Páscoa da Educação começou a ser celebrada há vinte anos, em pleno pico da pandemia. A Páscoa de 2020 foi um anúncio de ressurreição, o início de libertação do autoritarismo, para celebrar o amor e a vida. No exercício de uma fraterna desobediência, professores nasciam de novo.
Por: José Pacheco
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