Varginha, 19 de abril de 2040
No abril da pandemia, a principal tarefa dos pais era a de dar significado ao passar tempo juntos. Desfrutar do convívio intergeracional, para comentar as fotografias daquele álbum de família, há muito esquecido no fundo do guarda-roupa. Fazer jardinagem, se jardim houvesse. Fazer a sua parte das tarefas que a diarista fazia, se diarista houvesse. E o filho poderia lembrar o pai de que era preciso cuidar da diarista, pagar-lhe o serviço, mesmo que ela não pudesse romper o isolamento social.
Que se aproveitasse o convivencial tempo para escutar as músicas de que os filhos gostavam. E, homeopaticamente, os pais dessem a escutar a “música do seu tempo” – sem dizer “no nosso tempo é que era…” E cantar junto, porque o ser humano também é capaz de juntar as vozes, para produzir beleza.
Cada dia seria o primeiro dia do resto das suas vidas e, por isso, bem aproveitado. Era imperioso que se vivesse esse tempo, confinados e unidos, celebrando a Vida. Os pais poderiam descrever aos filhos as brincadeiras e brinquedos do tempo em que eram crianças. Sobretudo, que descrevessem o modo como fabricavam brinquedos. Se houvesse, lá fora (mas perto de casa…) uns arames, uns pedaços de madeira, por que não construir e brincar, juntos?
As famílias se acostumaram a uma rotina de isolamento, mas o vórtice da ansiedade, e o estresse poderia afetar negativamente a harmonia do lar. Não conversar sobre a pandemia não seria solução. Porém, de forma sincera e otimista, os pais deveriam conversar com os seus filhos, atentos aos sentimentos das crianças.
Antes da praga do “corona”, muitas pragas sociais eram escamoteadas. Era na “concha protetora do lar”, que mais feminicídios aconteciam, que mais abusos sexuais eram sofridos em silêncio. Que se aproveitasse, pois, esse tempo de isolamento social para destruir caseiras solidões, romper micros isolamentos familiares.
Nesse tempo, eu colhia as excelentes contribuições das neurociências, mas avisava que o ser humano era mais do que um cérebro. E o Ken Robinson ironizava, dizendo que os congressistas e palestrantes pensavam que as pernas apenas serviam para levar o cérebro a congressos e seminários. Na Ponte de meados do século XX, criamos a figura do Tutor, um professor que, na relação antropogógica, contemplava a multidimensionalidade do ser humano. O educador não descurava o domínio cognitivo – a Ponte sempre foi exemplo de excelência acadêmica com inclusão social – mas também cuidava da dimensão afetiva, emocional, estética, físico-motora, ética, espiritual. Atentos a inseguranças e múltiplos traumas, instituímos um tempo de estarmos juntos, acolhedores, disponíveis para reconstruir afetos ignorados, ou esquecidos.
Dialeticamente, a reflexão sobre essa prática conduziu-nos a nova conclusão e a uma nova prática. Conscientizamo-nos de que o processo não estava apenas centrado no sujeito de aprendizagem. Ao currículo da subjetividade deveríamos juntar o da comunidade e o da grande comunidade universal. Uma terceira dimensão curricular começou a tomar forma: o currículo da consciência planetária – eu existo porque o outro existe.
Quando, por força do vírus, os pais estavam “sozinhos em casa”, poderiam oferecer-se um tempo de tomar posse de crenças afetivas – como diria o meu amigo Celso – e administrá-las. Para ajudar os pais, para desvendar afetos e nos propiciar reflexão, o amigo Diogo esteve conosco, na sétima “live” de abril. Trouxe-nos uma serena mensagem da não-violência, a arte do reencontro consigo mesmo e com o outro.
Por: José Pacheco
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