Santa Catarina, 4 de maio de 2040
Com a devida vénia, ouso transcrever um e-mail recebido de um pai atento e preocupado. No confinamento do seu lar, a filha tinha produzido um vídeo sobre piratas e manifestado vontade de aprender a “fazer cinema”. O João perguntava:
Como aproveitar este desejo dela no “cinema” e no filme realizado, para explorar os diferentes currículos? Devo “forçar” perguntas nesta fase, para conseguir incluir o que estão a desenvolver nas “aulas online”? O professor da minha filha marcou estes trabalhos, para hoje: Português: gramática – determinantes (artigos definidos e indefinidos, possessivos e demonstrativos); Matemática: diagrama de caule-e-folhas; frações; tabuadas; operações; unidades de medida de comprimento; Estudo do Meio: solos e formas de relevo; meios aquáticos; sistema solar; pontos cardeais; itinerários; Cidadania: ser responsável.
O que poderia aquele pai fazer, perante tal absurdo? Que “conselho” eu poderia dar a um pai, que demonstrava tanta preocupação e sensibilidade? Não soube o que responder a estas interrogações:
Devo pedir-lhe por exemplo um texto sobre piratas, para incluir a gramática?
Para incluir a matemática, devo pedir-lhe que escreva sobre o valor dos tesouros encontrados ao longo da história? Como repartiria esse valor pela família? Quanto mediam os barcos piratas? Os baús teriam que ter que volume, para conter (x) moedas? No estudo do meio, deverei pedir-lhe que fale sobre os locais onde foram encontrados os tesouros? Que países? Que características preferenciais do terreno para esconder um tesouro? De “Cidadania” nem vale a pena falar…
Como organizo o desenvolvimento do projeto? Posso usar uma plataforma digital como o MICROSOFT TEAMS e dividir em pastas de temas? Ou tenho que fazer mapas por disciplina e toda a trabalheira “de professor”? E a AVALIAÇÃO? Como sei que aprendeu? Uma apresentação sobre o projeto é suficiente? O trabalho escrito é suficiente? Há um tempo para perguntar novamente sobre o assunto e verificar se a aprendizagem foi adquirida? Peço desculpa pelo trabalho! Um abraço.
Sem que o soubesse, esse pai sabia muito mais de aprendizagem do que o professor da sua filha. Lamentei concluir isso. Lamentei que o professor não se desse conta da farsa da ensinagem. Lamentei que muitos professores se dessem conta da farsa e continuassem “dando aula”.
Outro preocupado pai me narrou um episódio exemplar. O almoço estava na mesa, a arrefecer. E o filho “nunca mais saía da frente do computador”. Foi ver o que se passava. Sem entrar no campo da câmera do computador, espreitou o que o seu filho estava a fazer.
Ele estava a fazer uma prova. E não sabia dar resposta a alguns itens. Vi que o professor estava na tela do computador – este pai era brasileiro e o “ecran” de Portugal é “tela” no Brasil – e, sem que o professor me visse, soprei duas respostas no ouvido do meu filho. Ele escreveu-as na prova.
Mas, o “jeitinho brasileiro” tinha limites…
Professor Zé, deparei com um item, que eu não conseguia resolver. Já não me lembrava de como se fazia “raíz quadrada”.
O pai “não se lembrava”, porque não tinha aprendido. Teve aula sobre raiz quadrada. Saiu-se bem no teste, quando aluno. Mas, teria sido avaliado? Não! Apenas conseguiu transpor paa uma folha de papel aquilo que a sua memória de curto prazo conseguiu reter até àquele momento. Depois, a raíz quadrada “varreu-se-lhe da memória”.
Aquele pai tomava consciência de que o tenham enganado. Os professores, não.
Por: José Pacheco
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