Riacho Fundo 30 de abril de 2040

No confinamento desse abril de há vinte anos, eu recebia mensagens de secretarias de educação: A presença do Professor José Pacheco colocou qualidade nas discussões. Relato bem inspirador do mestre e amigo que, brilhantemente, vem praticando e difundindo [a Escola da Ponte], há mais de 30 anos e que tem adeptos no mundo todo. Não eram palavras de “puxa saco”, nem discurso de circunstância. Eram mensagens de agradecimento. Naquele tempo, havia secretarias de educação e “secretarias da educação”; havia secretários e “secretários”. Fiz amizade com muitos e os ajudei. Mas muitas secretarias estavam contaminadas pelos vírus da burocracia e da corrupção intelectual e moral.

Eram monstros burocrático-administrativos insensíveis e que não primavam pela comunicação interna. Talvez por isso os decisores ignorassem a existência de um projeto da iniciativa da própria secretaria, que dava resposta à situação causada pela pandemia, garantindo efetivas aprendizagens. Se a memória não me trai, a secretaria providenciou pacotes de internet gratuitos, uma empresa customizou “ensino mediado pela Internet” e se ofertou conteúdo referente a duas semanas de aulas, para que os professores pudessem usar esse tempo para adaptação. Medida meritória, sem dúvida, não fora o fato de se pretender encaixotar os alunos em salas de aula virtuais, para “estarem de volta às aulas em pleno isolamento prescrito” (sic).

Era admirável o sentido de responsabilidade dos professores, tentando não perder o contato com os seus alunos. Faziam aquilo em que eram competentes, davam aula na Internet e na televisão. Acreditavam que os seus alunos estavam a aprender. Mas, todo o seu esforço foi em vão. Metade dos alunos não tinha acesso às “aulas”. E a outra metade também não aprendia.

Talvez os burocratas da educação não soubessem que já dispunham de professores, que desenvolviam práticas do século XXI. Se esses professores pudessem intervir no tempo da pandemia, com a sua mediação e sem aula, os jovens aprenderiam. Mas, os burocratas da educação optaram por impor às escolas e aos professores o obsoleto modelo de ensinagem do século XIX, iniciativa inútil e sorvedouro de recursos. Passando a sala de aula para a Internet, continuaram negando a milhares de alunos o direito à educação.

No dia do lançamento do programa Escola em Casa, recebi inúmeras mensagens de indignados professores: Esta pandemia desnudou nossos sérios problemas. Pedi muita cautela, para que não se cometesse mais erros no desejo de atender aos anseios de famílias e profissionais. Infelizmente o pior aconteceu. Senti profunda vergonha, um constrangimento indescritível. Expôs-se, sem o menor pudor, a ausência de criticidade das pessoas que apresentavam o programa. E chamavam aquele lixo de aula! Deviam ser acusados de crime contra crianças e adolescentes quem defende esta barbárie e afirma que isto levará aprendizagem aos estudantes. Demorei para me recompor e encontrar a paz. Receio, professor que, quando tudo isso passar, nada tenha mudado!

Esta professora não estava sozinha. Tínhamos gente para começar aquilo que, há muito tempo, deveria ter começado. Tínhamos profissionais competentes, cujas práticas começavam a distanciar-se das desastrosas iniciativas da secretaria.

Se, em 2040, o DF é referência de qualidade em educação, é graças a esses professores.

Por: José Pacheco