Park Way, Distrito Federal, 24 de maio de 2040

Queridos netos,

Toda a agente (todo mundo, no Brasil) as entende, se as “lições” foram feitas em linguagem de gente. Por isso, sem recurso ao jargão científico e tentando não cair no didatismo, esclarecerei uma dúvida do Marcos.

Ciências da educação? Então, a Educação não é uma ciência? – inquiriu o Marcos, surpreendido com as últimas palavras da cartinha de ontem. Tu sabes, Alice psicóloga, que não existe uma ciência da educação. E que, só na tua área, são várias as psicologias: a social, a da cognição, a da memória, a da aprendizagem…

Naquele tempo, havia cursos para tudo, exceto para ser pai e mãe, algo que quase todos seriam. A educação dos filhos era aprendida enquanto se educava.

Toda a aprendizagem acontecia através da imitação, pelo exemplo. Um professor não ensinava aquilo que dizia, transmitia aquilo que era. A aprendizagem era antropofágica. Não aprendíamos aquilo que o outro dizia, aprendíamos o outro. Se um pai se queixava de erros cometidos pelo filho, era porque não percebia que os filhos eram espelhos dos pais.

Naquele tempo, havia cursos para fazer professores. Porém, essa formação era formatação. Os professores eram industriados num velho modelo educacional e amestrados em salas de aula. O modo como o professor aprendia era o modo como o professor ensinava. O que se aprendia era a vivência, o modo. Por exemplo, havia cursos de “metodologias ativas em sala de aula”. Mas, após os cursos, os professores praticavam “metodologias inativas”. Se o formador deu aula, o formando dava aula. Eu sei que se identificava, por exemplo, a “aula invertida” e o “ensino híbrido” como “metodologias ativas”, mas não o eram. Eram meros paliativos do obsoleto modelo de ensinagem.

No final desse mês de maio, centenas de educadores rejeitaram as imposições da administração escolar. Por dignidade profissional, assumiram um compromisso ético com a educação. Bem acompanhados… pelas ciências da educação. Isso mesmo, querido Marcos. Aqui, vos apresento alguns dos mestres inspiradores desses professores (eram muitos mais!):

O Agostinho da Silva e o Rubem Alves, da Filosofia da Educação; o Florestan Fernandes e o Henry Giroux, da Sociologia da Educação; o Lawrence Stenhouse e o Gimeno Sacristan, do Desenvolvimento Curricular; o Paulo Freire e o Edgar Morin, da Epistemologia; o Manuel Castells e o Simon Papert, das Tecnologias de Informação e Comunicação; o Anísio Teixeira e a Maria Nilde, da Pedagogia (se a Pedagogia era arte e ciência, não “jogávamos fora o menino, com a água do banho”, aproveitávamos o que de útil a Didática nos oferecia); o Darcy Ribeiro da Política Educacional; o Pierre Lévy da Cibernética; o António Damásio, das Neurociências; a Nise da Silveira, da Psiquiatria; o Carl Rogers, da Psicanálise; o António Nóvoa, da História da Educação; e os professores visitavam a praxeologia de Freinet…

No domínio da Psicologia da Educação, em que a tua irmã é doutora, os professores eram acompanhados por mestres como Lev Vygotsky, Jean Piaget e Lauro de Oliveira Lima, que, na década de setenta, havia escrito:

A escola não se reduzirá a um lugar fixo muradoA expressão “escola de comunidade” procura significar o desenquistamento isolacionista da escola tradicional. Escola, no futuro, será um centro comunitário propulsor das equilibrações sincrônicas e diacrônicas do grupo social a que serve.

Enquanto a administração desperdiçava recursos e condenava ao abandono milhares de alunos, professores “desobedientes” construíam comunidades e garantiam o direito à educação.

Por: José Pacheco