Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXXIII)

Patos de Minas, 07 de junho de 2040

Apelei a uma réstea de paciência e assisti a dez minutos de outra aula televisionada. O professor ia lendo palavras associadas a imagens inscritas no quadro negro digital:

“Por exemplo, Se repararem, a palavra candeeiro tem ali dois és. É uma palavra difícil. E a palavra “assobiar”. Aqui não posso assobiar, não fica bem, não é?- E escreveu no quadro:

Assobio é um nome. Assobiar é um verbo. Agora, vamos todos ler o texto. Sabes o que é um resumo? Pensa lá!”

O professor não esperou a resposta, porque ela jamais surgiria. E respondeu:

“Resumo é contar a história em poucas palavras. Vamos avançar mais um bocado. Temos aqui perguntas” – O professor foi fazendo perguntas e respondendo às perguntas que fazia… em seguida, dirigindo-se a um hipotético “aluno médio”, que estaria algures, frente a um computador :

“Diz-me lá, quantos meninos há no vídeo?”

Fica em silêncio, durante alguns segundos.

“Pois é! Eram quatro! E o que estão a comer?” – e volta a ficar em silêncio.

“Pois é! Acertaste! A zona mais elevada era o quê?” – Como o professor soube que o “aluno médio acertou”, eu não cosegui saber – mas, após mais alguns segundos à espera de outra resposta, que nunca iria ouvir, repetiu a fala anterior:

“Acertaste! Eles estão a…? Eles estão a…? A assobiar. Isso mesmo! Exatamente! Qual a palavra que falta? Pensa lá um bocadinho… Ora bem, vamos passar ao segundo exercício…”

O professor parecia estar a falar para mentcaptos, agia como personagem de uma farsa imposta por burocráticos títeres. Por compaixão e porque a paciência se me esgotara, desliguei o aparelho de tv.

Quando as tele aulas e as aulas online começaram a ser transmitidas, os professores com bom senso desconfiaram das suas certezas e compreenderam que o auleiro fingia que ensinava; e que, numa “escola tradicional” alimentada de senso comum, o aluno fingia que aprendia. Escandalosos índices de analfabetismo, de desenvolvimento da educação e de proficiência disso davam conta. Numa fuga para a frente, se enfeitaram as aulas online com paliativos – aula invertida, aula híbrida, aula…

Pouco antes da pandemia, eu tinha ido à escola do meu amigo Apolinário. Ele queixava-se de “muitos alunos que se atrasavam em relação aos outros e à matéria que já tinha dado”. Pensei ser aquela uma oportunidade de, fraternalmente, lhe demonstrar que esses alunos não se atrasavam. Ou que, na verdade, todos se tinham atrasado, devido ao desperdício de tempo, que ocorrera na aula que ele “acabara de dar”.

O Apolinário “deu a aula” presencial para 35 alunos. Foi só efetuar alguns cálculos. Entre as demoras na entrada dos alunos (e, diga-se em abono da verdade, também do professor…), da “chamada” e do “registo das faltas” – “Número 1, Abel Marinho” e por aí adiante, até ao trigésimo quinto aluno – se esvaíram 5 minutos bem contados. Façamos a conta: 35 alunos vezes 5 minutos dá um total de 175 minutos desperdiçados, porque os alunos estavam presentes, mas psicologicamente ausentes.

Propus ao Apolinário que dispensasse a “chamada” dos alunos e outros inúteis rituais. Respondeu que a aula durava 50 minutos e que ele “ainda dispunha de 45, para ensinar a matéria”. Como perguntar não ofende, deixei na Internet uma pergunta dirigida à administração escolar: Por que razão as aulas têm 50 minutos de duração?

“Esperei sentado” por uma resposta, que jamais foi dada. Eu a sabia: os 50 minutos de aula fora “invenção”, no século XIX. E como a administração obrigava os professores a lecionar como no século XIX…

Por: José Pacheco

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