Caçapava, 11 de junho de 2040
Ao longo do século XX e no início do século XXI, rupturas paradigmáticas se sucederam em vertiginoso ritmo, sem que as escolas disso se dessem conta. Chegados à geração 5.0, as escolas continuavam no 1.0. Aceleradas mudanças sociais e inovação tecnológica exigiam que se reconhecesse a necessidade de operar rupturas paradigmáticas no campo da educação. E a ruptura decorria de uma decisão ética.
Edgar Morin nos dizia que o ato ético era um ato de religação: “com o outro, com os seus, com a comunidade, e uma inserção na religação cósmica”. Neste pressuposto, nos idos de 2018, escrevi um livrinho, que tinha por título “Inovar é assumir um compromisso ético com a educação”. Isso mesmo: inovar consistia em decidir emancipar-se, para emancipar.
A afirmação custou-me muitas críticas e alguns dissabores. No decurso de um congresso, participei numa mesa de debate sobre inovação. Ao meu lado, outro congressista só interrompeu o enviar de mensagens no seu ifone, quando foi a sua vez de intervir. “Pode passar!” – o técnco mudava o slide e o congressista ia lendo o power point, dizendo aquilo que qualquer pessoa poderia ler num livro ou na Internet, sem precisar de sair de casa. E, após a monótona fala, retomou o bater de tecla de ifone.
Quando chegou a minha vez de intervir, estabeleci diálogo com o publico e alguém perguntou: Quando e como o projeto da Ponte foi inovador?
Quando se concretizou uma mudança de paradigma – respondi – por exemplo, quando decidimos deixar de “dar aula”, para sermos éticos.
Nesse momento, o congressista do ifone pousou o aparelho, fitou-me com ar ameaçador e bradou: Não diga disparates!
Reagi com paciência e compaixão, : Sei que o colega é professor. Alguma vez, precisou de reprovar um aluno?
Claro! Há alunos que, por mais que nós os ensinemos, nunca vão aprender!
Não perdi tempo a explicar-lhe o que era “profecia auto-realizada” e disse:
Então, o defeito está no aluno?
É evidente que sim! Eu já cá ando há muito tempo. Dou boas aulas. E quem não aprende vai para as aulas de reforço!
Então, se bem entendi, do modo como o colega trabalha, nem todos aprendem…
Já disse que não!
E o colega vai continuar a trabalhar desse modo?
Quem é você, para me dar lições de ética? – retorquiu, visivelmente agastado.
Não insisti. Era mais um caso perdido, a juntar a centenas de antiéticos auleiros.
Façamos um contraponto, partilhando um WhatsApp do distante 2020:
Olá, Zé! Preciso muito da sua ajuda. Hoje, eu acordei com a sua mensagem: FAZER! FAZER! FAZER! E senti como uma confirmação. Pude compreender o que você vem falando, há tanto tempo. Estou vivendo uma catarse e senti que tinha de relatar isso. Uma crise, uma dor… assim como se fosse a dor de um parto.
Não aguentei mais a incoerência. Mesmo sem acreditar nessa estrutura, eu acabava pressionando o meu filho a se enquadrar num sistema em que nem eu acredito. Ontem, eu disse “Basta! Chega de viver pela metade!” Vou fazer essa nova escola, doa o que doer. Se precisar de enfrentar a insensibilidade de outros, eu enfrento. Eu não suporto mais isso dentro de mim. Eu preciso me sentir inteiro. Vamos construir um espaço de aprendizagem. O meu filho vai participar desse projeto. Vou fazer essa outra escola. Não vou submeter o meu filho aquilo em que não acredito, só pela minha insegurança. A gente tem um núcleo grande de pessoas dispostas a fazer esse projeto. Vamos ver se a escola vem junto. A diretora já topou… se não, a gente faz um projeto autônomo.
Gratidão por tudo Zé. Eu honro tudo o que você tem trazido para minha vida. �� Grande abraço, amigo!
Por: José Pacheco
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