Alcobaça, 28 de junho de 2040
Ficastes surpreendidos por vos ter dito “em 2020 era assim”… Pois ficai sabendo que era muito pior!
Após a pandemia, esperava-se que três subsistemas sociais mudassem de rumo: o sistema político, o sistema econômico e o sistema educacional. E que este deixasse de ser “de ensino”, para ser de efetiva aprendizagem. A degradação do modelo de ensinagem já fizera muito estrago. Semeara ignorância e contribuíra para o agravamento de efeitos colaterais: doenças profissionais, corrupção e até suicídio juvenil.
Em 2020, os prédios de escola estavam fechados. Os professores, angustiados, por não conseguirem alcançar mais de metade dos seus alunos. A administração educacional, cometendo ilegalidades, entre as quais a do abandono intelectual de mais de metade dos jovens em idade escolar. Por força do modelo da aula, mlhões de alunos estavam votados ao abandono. E esses jovens estavam ansiosos de reencontrar, de abraçar os seus amigos. Porém, o regresso planejado seria à mesmice da sala de aula, mascarados, sem poder abraçar-se e condenados ao abandono intelectual e moral.
O amigo Tião comparava esse modelo educacional a um “serviço militar obrigatório”, a partir dos seis anos de idade. E era certo que o “campo de batalha” em que a escola da aula se transformara, ao longo de dois séculos, se abria para a remilitarização da ensinagem. Digo “remilitarização”, porque a escola de 2020 tinha por origem remota a escola prussiana do século XVIII.
A remilitarização da escola partia de princípios idênticos àqueles que lhe deram origem. As crianças eram manipuláveis, meros objetos de ensinagem, formalmente obedientes a inquestionáveis ordens. A convivencialidade humana fundada numa relação humana vertical, as cadeiras enfileiradas, as filas, o toque de entrada e saida de espaços de confinamento governados por regras impostas arbitrariamente, foram criações do tempo imperador, desencadeando a normatização do ensino.
Duzentos anos após a pandemia da ensinagem chegar ao Brasil, mesmo que a remilitarização não se consumasse, havia pretexto para vigiar e punir. Vigiava-se gestos dissonantes de autonomia e, com o infligir de uma disciplina férrea, se punia manifestações de violência verbal ou física, geradas pela própria escola.
Em 2020, era assim… queridos netos. Nem seria necessário evocar episódios como os de Columbine, ou do Realengo, protagonizados por ex-alunos, que voltavam à escola para matar seus colegas e professores. Três alunos colaram uma professora na cadeira, foram expulsos e transferidos para outras escolas. Este lamentável episódio teria sido o corolário da tolerância do intolerável. Mas porquê criminalizar a indisciplina, agindo sobre consequências, se já era tempo de agir sobre as causas? De que serviria expulsar alunos? A violência seria resposta para a violência? Se o discurso era unânime – É preciso reforçar a autoridade dos professores! – a prática contrariava o discurso. A regra era a transferência da autoridade do professor para os órgãos de gestão e para burocráticos procedimentos disciplinares.
Autoridade não rima com controlo, imposição, submissão. Etimologicamente, a palavra autoridade significa “ajudar a crescer”. Ajudar a crescer pressupõe o exercício do diálogo e a desocultação de perversos modos de relação. Por mais que custasse reconhecer, perante a violência simbólica imposta pelas escolas, a desobediência e a indisciplina poderiam ser consideradas manifestações de sanidade mental.
Por: José Pacheco
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