Santo André, 15 de junho de 2040
No Portugal de meados de junho de 2020, eram publicadas as conclusões de um inquérito sobre a forma como estava a decorrer o ensino à distância. Mais de metade dos professores continuava sem conseguir contactar com todos os alunos, através da Internet ou por outras vias. E 93,5% dos professores inquiridos assumiram que, dando aula online, agravavam as desigualdades entre alunos. Tinham sido “leccionados conteúdos “novos”. Mas não chegaram aos alunos “distantes da escola”. 70% dos professores afirmaram ter “leccionado novos conteúdos” e 47,8% afirmaram que iriam avaliar os alunos. Só não disseram como avaliariam…
Dois terços dos inquiridos afirmaram que o ensino à distância era mais exigente do que o trabalho presencial e que estavam cansados, exaustos e com “falta de apoio”, em particular, dos pais dos alunos.
Os autores do relatório manifestavam preocupação pelo enorme esforço que teria de ser feito pelos professores, “para recuperar, tanto quanto possível, as crianças e adolescentes que ficaram mais distantes da escola, de recuperar as aprendizagens não realizadas por diferentes razões, desmotivação, metodologias e dispositivos inadequados, problemas de competência digital e acesso a recursos e à rede, contextos familiares pouco amigáveis, necessidades especificas de alguns alunos etc.” Os indicadores mereciam reflexão, no período da “pandemia covideana de 2019”, mas, não foram motivo de inquietação para os infetados pela “pandemia instrucionista do século XIX”.
Dizia um amigo que, no tempo das aulas virtuais, “as aprendizagens ficaram à distância”. Acrescentei que, no tempo das aulas presenciais, a aprendizagem também ficava distante. Para provar o dito, convidei-os para um jogo. Aceitaram jogar. Na aula online seguinte – supostamente de “avaliação” – os acompanhei, observando o modo como respondiam às questões (de Geografia) colocadas pelo professor e o que conseguiam responder. Com uma regra: os adultos – pai e mãe mais os avós – teriam de dar resposta ao questionário do professor, fora do alcance da câmera do computador e sem que a criança ou o professor escutasse.
Foram trinta saborosos minutos… A criança conseguiu dar respostas certas a 12 das 20 perguntas do professor. Nem uma resposta os adultos conseguiram dar. Tudo se lhes tinha varrido da memória, à semelhança da decoreba para provas e exames, que preencheram o seu itinerário escolar até à universidade. Os pais e os avós da criança tinham feito estudos “superiores” e compreenderam que quase nada tinham aprendido nas aulas presenciais do “seu tempo”.
Por sua vez, a criança compreendeu que apenas tinha retido na memória de curto prazo as respostas que o professor esperava que ele desse. Acaso as mesmas perguntas lhe fizessem, decorridos dois ou três meses, talvez não soubesse dar-lhes resposta.
Nos primórdios da década de setenta e nos vigiados e estreitos corredores de liberdade de uma escola sujeita aos ditames da Ditadura de Salazar, um professor desafiou-nos para a aventura de um conhecimento que nos era sistematicamente ocultado. Incitou-nos a conduzir os nossos destinos.
“O que quereis fazer? O que quereis aprender?” – perguntou, logo no primeiro dia. E, sem “dar aula”, acompanhou-nos na aventura de descobrir.
No meu percurso de estudante, nunca mais ouviria da boca de um professor esses estimulantes desafios. Mas as palavras e os gestos do Padre Lima ficaram a levedar no mais profundo do subconsciente, à espera do momento propício para se transmutarem em ato.
Por: José Pacheco
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