Caldas Novas, 21 de junho de 2040
Queridos netos,
Nesse já distante mês de junho, o Brasil atingia a marca de mais de um milhão de infetados, registrava uma morte a cada minuto por covid-19, era epicentro da pandemia. Os shoppings reabriam, as ruas se enchiam de gente, a crise civilizatória se agudizava e… outro mundo se anunciava.
Espero não vos maçar, descrevendo eventos virtuais de 2020. Se considerardes que se trata de uma overdose de informação, mudarei de assunto. Combinado? Então, cá vai a descrição prometida…
As “tecnologias digitais” tinham sido introduzidas nas escolas, transformadas em panaceias do velho modelo educacional. Serviam para produzir videoaulas, que os alunos, acostumados ao imediatismo e à velocidade das ditas “novas tecnologias”, acriticamente consumiam, na dependência de vínculos afetivos precários estabelecidos com identidades virtuais.
A Internet não era uma ferramenta; era uma sociedade generosa na oferta de informação. Apenas seria necessário saber o que fazer com ela. Mas, a maioria dos professores “dava aula” em lousas digitais e na Internet. Bastava “clicar” para repetir conteúdo, até que a matéria fosse “transmitida”.
O modo como as escolas utilizavam a Internet fomentava imbecilidade e solidão, quando o necessário seria usar o digital ao serviço da humanização da escola. Tudo aquilo que um professor poderia “ensinar” numa sala de aula estava disponível, de modo mais atraente, na tela de um computador.
As escolas enfeitaram-se de projetos, sem lograr intensificar a comunicação, a pesquisa, a aprendizagem. Mercadores e empresas do ramo educacional espreitavam a oportunidade de substituir os prédios de escola por sistemas de “ensino à distância” – mecanismos vários, software, inteligência artificial, substituiriam professores por robôs.
No decurso do confinamento, a ensinagem virtual substituíra a ensinagem no frontal anônimo de sala de aula. Porém, houve quem não participasse dessa farsa e provasse que presencial e virtual não se excluíam, que coexistiam e se completavam. Com insubstituíveis professores se definiram territórios, múltiplos espaços de aprender; com recurso à diversidade de aplicativos, que a Internet nos oferecia.
No contexto do projeto, de que vos tenho falado, educadores criavam núcleos de projeto integrados por professores, escolas, famílias e comunidades. Começaram a chamar-lhes “círculos de vizinhança”. Embora nas escolas da ensinagem ainda se insistisse em formar turmas de 20 ou 30 alunos, a ratio professor/aluno nas escolas brasileiras era de cerca de 10 alunos por professor. A partir desse dado, foi definido um “número crítico” para composição desses círculos: entre sete e quinze pessoas.
No primeiro ano do projeto, poder-se-ia aceitar um número de alunos superior ao quantitativo ideal de uma tutoria. Nesse caso, a tutoria tomava a designação de “turma”, no dialeto oficial. Nessas “turmas” se garantia a todos os alunos o direito à educação, no cumprimento da lei – a lei, que a maioria das escolas não cumpria.
Organizados em núcleos de projeto, educadores de diferentes escolas se reuniam, para refletir sobre diferentes formas de comunicação, para tomadas de decisão, para a participação comunitária, para gerir eventuais conflitos, bem como preparar encontros, onde nasceram redes de comunidades de aprendizagem. Da criatividade à mudança e da mudança à inovação, centenas de educadores reconfiguravam as práticas escolares, refundavam a educação.
Por: José Pacheco
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