Abadiânia, 22 de setembro de 2040

O Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil e o Estatuto do Aluno e Ética Escolar português eram claros:

“Perante situação de perigo para a segurança, saúde, ou educação do aluno, designadamente por ameaça à sua integridade física ou psicológica, deve o diretor diligenciar para lhe pôr termo, pelos meios estritamente adequados e necessários e sempre com preservação da vida privada do aluno e da sua família, atuando de modo articulado com os pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto do aluno”.

Isto se aplicaria no imposto “regresso às aulas”. Sem garantias de isenção de contágio, as famílias não poderiam ser obrigadas a isolar socialmente os seus filhos numa sala de aula. Mas foram. Em situações de aula síncrona, se ameaçava de punição quem desviasse os olhos da tela do computador. E, durante o tempo em que os pobres alunos eram forçados a assistir a inúteis aulas online, se exigia que estivessem fardados com o uniforme da sua escola.

Entre o medo de perder o emprego e a desfaçatez decorria a ensinagem à distância, acompanhado de “democráticas” ameaças. Num vídeo postado na Internet, uma diretora “puxa-saco” agradecia “o carinho das famílias que têm colaborado e fizeram a entrega das atividades, que conseguiram estar em dia com a entrega das atividades”. Após essa ridícula manifestação de “chantagem emocional”, exigia a entrega da “atividade”:

“Porque nós também estamos sendo cobrados. Peço desculpa por se sentirem cobrados, mas estamos sendo cobrados por órgãos judiciais sobre o nome das crianças que não estão participando nas atividades”.

E da insinuação, passava à ameaça:

“A evasão provoca a perda da vaga. É muito complicado não mandar as famílas para o Conselho Tutelar. Não queremos mandar um aluno para o Conselho Tutelar, nem para nenhum órgão, nem para a secretaria de educação, como um aluno faltoso”.

Concluía num tom conciliador, estabelecendo um novo prazo para entrega das atividades:

“É para contar como frequência. E os professores precisam fazer o planejamento”.

Sem comentário! E volto ao excelente artigo da minha amiga Helena, quando ela fazia um balanço do que fora a dita “ensinagem remota”:

Como estávamos condicionados a somente reconhecer a aprendizagem associada à experiência da sala de aula, imediatamente começamos a contabilizar as “perdas da aprendizagem” a partir dos dias em que os prédios escolares estão fechados. Algumas escolas trataram de, o mais rápido possível, recriar os mesmos pilares em bases remotas (…) criaram um sistema capaz de fazer seus estudantes ficarem as mesmas 5 horas diárias na frente do computador, basicamente assistindo aulas. Os pais destes estudantes, de início, aliviados com a manutenção da rotina, depois de algum tempo, perceberam graves problemas associados a ela, como desmotivação, fadiga e frustração. Os estudantes, mais sensíveis aos limites da proposta, trataram logo de não ligar suas câmaras e assim manter algum nível de liberdade corporal e mental, mas acabaram por ampliar a angústia dos professores.

Estudantes desligaram os professores, fugiram ao seu controle. Aliás, seguiram as recomendações da OMS. Uma delas dizia-nos que os jovens deveriam estar, no máximo, duas horas por dia expostos à tela de um computador e que essa exposição não deveria ocorrer duas horas antes de se deitar, dado que a luz interferia nos padrões e na qualidade do sono.

Queridos netos, podereis pensar que estou a exagerar nas descrições, mas tudo aconteceu tal e qual vos conto. Juro!

 

 

Por: José Pacheco