Diamantina, 4 de outubro de 2040
Quando já estávamos a menos de meio ano do Dia de Carnaval, as escolas de samba brasileiras decidiram adiar o tradicional desfile. O bom senso e o respeito pela vida prevaleceram nessa tomada de decisão. Confirmamos algo que já se sabia: as escolas brasileiras mais bem organizadas eram as escolas de samba. Nelas, havia espírito de corpo e criatividade. Talvez o espírito da Dona Ivone Lara, Diva do Samba e enfermeira do hospital psiquiátrico do Engenho de Dentro, tivesse inspirado a decisão. Ela, que, ao lado de Nise da Silveira, foi mestra no tratamento psiquiátrico dos brasileiros, humanizando tratamentos, curando através da música, levando o bloco de carnaval Loucura Suburbana a desfilar pelas ruas vizinhas ao hospital. O meu amigo Vítor, que o diga!
Fevereiro ainda vinha longe, o mundo contabilizava um milhão de mortos pela covid-19 e os foliões do Panamá imitavam o Brasil, anunciando a suspensão do Carnaval. Mas, no Brasil das escolas particulares, o entrudo fora antecipado para setembro e decorria mascarado de falsidade e tristeza.
Antes desse fatídico “regresso”, professores denunciavam casos de aulas on-line dirigidas a trezentos alunos. Tinha sido inventada uma nova modalidade de ensinagem: o “ensino remoto por atacado”. Uma aluna de engenharia dizia que o número de alunos variava de acordo com a aula:
“Não sei quantas pessoas tem na chamada, mas assistindo aula tem 250 de segunda-feira, que é a aula mais lotada. Outros alunos da minha sala não conseguem entrar. Aparece um aviso de que a sala está lotada. O sistema fica pesado e cai, se você entra muito em cima. Na última aula, minha professora ficou uns quarenta minutos só chamando as turmas”.
Numa universidade, cerca de quinhentos docentes foram demitidos no primeiro semestre de 2020. A redução das horas de trabalho era um dos aspectos de um movimento do ensino superior privado, que um sindicalista classificou de “imoral, mas legal”. Professores ficavam a saber da sua demissão, quando mensagens de pop-up surgiam na tela do computador. Um docente acreditava vir a ser demitido como retaliação por ter protestado com coordenadores em grupos de WhatsApp e avisado alunos da disciplina:
“Os alunos ficaram três semanas sem minhas aulas e eles colocaram um professor de outra área, que não sabia o que fazer”.
A pandemia produzia estragos, mas o instrucionismo universitário causava prejuízo maior. Docentes de universidades privadas relatavam precarização e depressão, referindo-se à redução das suas horas de trabalho:
“A minha angústia e ansiedade aumentaram drasticamente, A palavra que melhor define meu momento é desespero. A redução torna o meu sustento inviável, visto que minha única fonte de renda é a universidade. É cruel!”
Infelizmente, estes professores não se apercebiam de que estavam colhendo o que haviam semeado, era demitido à distância quem fazia ensinagem à distância. Professores de dar aula eram trocados por robôs. Sem que os alunos soubessem, houve uso de robôs no lugar de professores para correções de atividades. O instrucionismo assumia a sua máxima expressão economicista.
Que tempos eram aqueles! No “superior” feudal, reinava uma vassalagem opressora, a sobredeterminação da burocracia e da finança e um normativismo ignorante. Como diria o Ruy, “de tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”
Por: José Pacheco
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