São Pedro do Sul, 29 de novembro de 2040
A minha amiga Cláudia assim descrevia as suas primeiras impressões na chegada à Ponte:
“Muitas coisas chamam a nossa atenção ao chegarmos na Ponte. Para mim, o primeiro impacto foi o “portão da rua”. Cheguei na escola numa segunda-feira à tarde, horário de aula, e o portão de acesso à escola estava completamente aberto. Achei que alguém tinha esquecido de fechar ou até mesmo de trancar.
Lembrei das escolas que trabalhei e convivi no Brasil, o portão sempre estava trancado, de preferência com cadeado, deixá-lo aberto era uma falta grave. Logo ao entrar na Ponte, é claro que fechei o portão! No entanto, percebi que nos outros dias ele continuava aberto, qualquer um poderia entrar ou sair. Esse era o espírito!”
A Cláudia surpreendeu-se com a atitude de “abertura” da escola, simbolizada num portão aberto. Essa interface escola-meio social, numa escola sem muros, nem seria necessária, numa nova construção social de aprendizagem fundada no exercício da autonomia. A Cláudia fez na Ponte o seu doutorado e escreveu na sua tese:
“A curto e médio prazo, a qualidade da escola pública não é tributária de políticas educacionais macros, tampouco de massificados e efêmeros programas, projetos ou política de governo, mas sim da decisão dos (as) profissionais que nela trabalham de tornarem-se autores (as)”.
E assim descrevia o referencial teórico, que estivera na origem da mudança:
“A singularidade da construção pedagógica realizada na Escola da Ponte abriga um processo de produção intelectual dos seus atores, que talvez só possamos nos dar conta da sua verdadeira importância, passado o período de um certo apelo mitológico. O Projeto Fazer a Ponte, tanto no que diz respeito aos princípios quanto às práticas, não deixa de ser tributário de um quadro teórico e conceitual com base em trabalhos de estudiosos do fenômeno educacional escolar e do desenvolvimento humano. Entre esses, incluem-se Celestin Freinet e os educadores que fazem parte do Movimento de Escola Moderna”.
Estava certa a minha amiga. Em meados dos anos setenta e em equipe, este vosso avô e debutante professor começava a gestar aquela que seria a primeira escola a concretizar as promessas escolanovistas e a criar condições para o surgimento de uma escola-comunidade.
Naquele tempo, nem sabíamos da existência de um tal Piaget. Agíamos por amor e intuição pedagógica. Mudávamos a prática, para garantir a todos o direito à educação. Também não sabíamos que, no final da década de sessenta, na margem sul do Atlântico, o piagetiano Lauro de Oliveira Lima escrevera um livro sobre “comunidades de aprendizagem”. Em meados do século passado, o anunciador dessa nova construção social convidava-nos ao exercício da autonomia, criticando a gestão da escola instrucionista:
“Foi dada uma função educativa ao diretor, que se reduz, atualmente, a mero administrador, manipulador de papelório e ecônomo. É hora de abandonarmos a ditadura escolar de diretores e professores e iniciarmos os jovens no autogoverno. A experiência universal demonstra que é deste regime escolar que saem os futuros cidadãos de uma democracia, autônomos e responsáveis.”
Iriam decorrer seis décadas, até ao aparecimento da primeira comunidade de aprendizagem. No Distrito Federal do início da década de vinte, enquadrados num projeto de política pública da iniciativa da Secretaria de Educação, protótipos de comunidade surgiram, organizados em rede.
Nas próximas cartinhas, espero poder descrever-vos a saga da implantação dessa rede de comunidades.
Por: José Pacheco
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