Frederico Westphalen, 30 de novembro de 2040
O momento delicado, que vivíamos nos idos de vinte, poderia constituir-se em oportunidade de virar a escola do avesso, extinguindo espaços de grandes aglomerações, onde a covid-19 prosperava. Mas, nessa negacionista época, aqueles que praticavam uma educação do passado falavam de uma mítica “educação do futuro“. Na UNESCO dos idos de vinte, decorria um projeto com essa designação e, desde que me conheço como professor, sempre ouvi falar de um “futuro” educacional, que nunca se fazia presente.
A criação de comunidades de aprendizagem poderia contribuir para modificar a forma como organizávamos o espaço, o tempo, as funções do trabalho, do lazer e da cultura. “Círculos de vizinhança” garantiriam o quotidiano da aprendizagem em espaços bem ventilados, com baixa intensidade de ocupação, feito de interações ainda moderadas por máscaras. Os tempos de pandemia exigiam que aprendêssemos a viver numa proximidade regulada, exigiria reinvenção do modo de aprender. Porém, a especulação teoricista deu origem a um conjunto de práticas, que dessa designação, indevidamente, se reclamaram.
A “comunidade de aprendizagem” aparentava ser conceito de vasto espectro semântico. A título de exemplo, vos darei notícia de alguns significados a ele atribuídos, colhidos na Internet:
“Comunidade de aprendizagem é um grupo que interage entre si, durante um determinado período de tempo, com o propósito de aprender um conceito; é um projeto, que uma escola escolhe, para conseguir uma sociedade da informação para todas as pessoas; é uma estratégia que ajuda a superar os obstáculos para o ensino universitário eficaz; é um programa desenvolvido pela secretaria de educação; é um grupo de pessoas que persegue propósitos comuns”.
Vedes como era reducionista a ideia que se fazia de comunidade de aprendizagem? Os autores destas definições eram “como cegos no meio de um tiroteio” teórico. Vede como nessas definições se observa o caráter simultaneamente utilitário e redentor das comunidades, face ao instrucionismo. Reparai na ênfase do termo “grupo” no lugar de “equipe” e a tendência para novas regulações, tão do agrado dos burocratas da educação.
O Brasil importava mais um modismo, a administração o comprava e a mudança se adiava. Os professores desconheciam a existência do Mestre Lauro. Os formadores de professores não conheciam a sua obra. Nas bibliotecas das faculdades de Pedagogia, nunca encontrei livros do insigne mestre.
Quando as crianças do Projeto Âncora o quiseram homenagear, fizeram-no no contexto de uma escola, que adotara esta definição do conceito: “comunidades de aprendizagem são práxis comunitárias assentes num modelo educacional gerador de desenvolvimento sustentável e que podem assumir a forma de rede social física, ou virtual”.
Era uma provisória, modesta e minimalista definição do conceito, que eu criara, numa tentativa de o proteger da influência do mercantilismo. Não alcancei o meu intento.
Uma empresa, que apoiava o Âncora, suspendeu o apoio ao projeto e financiou uma proposta de origem anglo-saxônica e catalã. Com o patrocínio dessa empresa, universitários operaram cosmética educacional. Caricaturalmente, operacionalizaram o conceito de comunidade de aprendizagem. Revestiram a escola da aula com adereços de desculpabilização curricular. Abriram caminho para que empresas do digital muito lucrassem com a comercialização de práticas “híbridas”. Obstruíram caminhos de uma inovação anunciada. Adiaram, mais uma vez, a “educação do futuro”.
Por: José Pacheco
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