Livramento, 7 de dezembro de 2040

Sei que poderá parecer mentira, queridos netos, mas juro que, nos idos de sessenta, escutei uma professora dizer o seguinte:

“O último livro, que eu li, foi no curso do magistério. Nunca mais precisei…”

Fiquei atônito. A leitura não era tudo na vida, ler não era suficiente para operar mudança, mas não se poderia dispensar a teoria, porque não existe prática sem teoria. Por mais livros lêssemos, nunca seriam suficientes para resolver as nossas dificuldades de ensinagem. Compreendi isso no contexto de um projeto que concretizou utopias.

Já aposentado, partilhava leituras com professores que não desistiam de se melhorar. Tinha consciência de que, por mais livros que lesse, seria sempre ignorante, dada a imensidão do conhecimento disponível.

Por isso me surpreendia, quando alguém me afirmava haver professores que não liam. Talvez por isso, muitos professores agissem como aprendizes de feiticeiro, não logrando explicar por que faziam aquilo que faziam, fosse lá o que fosse que fizessem. Não conseguiam fundamentar as suas práticas com recurso à teoria e, porque não se distinguisse a sua “opinião” da “opinião” de qualquer leigo em pedagogia, eram “desvalorizados por uma opinião pública na qual todos se consideravam especialistas em educação”, como bem dizia a Hanna Arendt.

Esses docentes eram os mais vulneráveis a discursos pretensamente inovadores e ao assédio de vendedores de poções mágicas. Soube de gente que fazia fortuna, distribuindo receitas de autoajuda pedagógica, “ensinos híbridos”, sedutoras soluções, que os próprios vendedores não aplicavam. Observava falastrões afagando o ego dos professores, falando somente o agradável, em palestras de power point, contornando questões delicadas, recorrendo ao discurso da desculpabilização, tratando os professores quase como mentecaptos.

Eu ria – um riso triste, confesso – das intervenções públicas de adeptos do pensamento único, que acreditavam serem sábios. Misturavam afirmações do senso comum com propostas fósseis, propunham aquilo que sempre se fez. As escolas que não se davam conta da obsolescência do modelo, que tais criaturas defendiam, sempre tentaram transmitir conteúdo, sempre valorizaram a transmissão de informação, centrando o ensino nos conteúdos curriculares e numa “avaliação” feita de inúteis provas.

A formação dos professores parecia ignorar que, à míngua de uma produção teórica que fecundasse as práticas e que por elas fosse reelaborada, se alterava somente a nomenclatura. Ainda se insistia no decorar de teorias velhas de séculos. E, ao preconizar a priorizar a teorização em detrimento da práxis, a formação inicial e continuada contribuía para a desqualificação profissional dos professores.

Em 2020, ainda havia professores, que não liam… a tragédia da reprodução da ignorância estava no auge. O Brasil dispunha de projetos inovadores e de excelentes teóricos. Porém, desconhecia a existência desses projetos. E a teoria produzida quase não tinha espaço nos congressos, pois novas pedagógicas colonizações – quase todas de origem anglo-saxônica – se insinuavam.

No caos de uma comunicação social semeada de fake news, se receitava cosmética educacional, cujos trágicos efeitos, hoje, bem conhecemos. Sucessivas gerações foram condenadas ao grau zero de literacia, ao analfabetismo literal e funcional – havia muitos analfabetos no ensino “superior” – num drama educacional, que a escola da mesmice produzira. Mas, como diria a sabedoria popular, não havia mal que sempre durasse…

 

Por: José Pacheco