Viamão 8 de dezembro de 2040

2041 está chegando, considero necessário reavivar memórias. No próximo ano, passarei à situação de nonagenário. Por isso, preciso apressar a escrita de cartinhas. Elas poderão ajudar os educadores a compreender como se chegou à Idade da Educação. Os futurólogos sempre apontaram a década de 40 como a inaugural de uma nova educação. E eu não imaginaria que pudesse sobreviver até este tempo chegar.

Contar-vos-ei estórias de projetos. Começarei por aquele que foi o marco maior da minha longa vida de professor Antes de partir, preciso contar-vos a sua história.

No início deste século, alguns “alguéns”, dentro da estrutura do ministério da educação tentavam, mais uma vez, destruir o projeto “Fazer a Ponte”. A Universidade portuguesa juntou-se a um movimento de professores em defesa da escola pública. Amigos como o Rui organizaram encontros, que reuniram milhares de educadores. Os maiores vultos da educação desse tempo se juntaram na elaboração do “Manifesto de Apoio à Escola da Ponte”. Aqui transcrevo alguns excertos do documento.

Ao longo dos últimos 25 anos, apesar das sucessivas (e falhadas) reformas, um coletivo de professores, com os alunos e os pais, desenvolveu, na Escola da Ponte, um projeto educativo ímpar, reconhecido a nível nacional e internacional. Esse reconhecimento traduziu-se, a nível institucional, pela conversão numa Escola Básica Integrada, alargando-se o âmbito do projeto a um percurso escolar integrado e coerente de nove anos.

A sobrevivência deste projeto, por ação e por omissão do Ministério da Educação, está ameaçada. A sua extinção representaria um empobrecimento inaceitável do nosso património educativo, sem que haja, da parte do Ministério, qualquer razão plausível dos pontos de vista científico, pedagógico ou de política educativa.

Há razões para apoiar a Escola da Ponte. A criação da EBI não representou uma resposta a problemas de oferta educativa local, nem de racionalização da rede escolar, mas tão-só o reconhecimento da singularidade e da riqueza pedagógicas deste projeto. Com efeito, a Escola da Ponte tem-se afirmado como uma escola diferente, em que a originalidade das soluções – não há anos de escolaridade nem turmas, os espaços são polivalentes e os professores não se queixam da falta de condições para dar o programa – se combina com o sucesso escolar e educativo das crianças e o envolvimento das famílias.

Nesta escola, os alunos são tratados como crianças que aprendem a ser gente, com base na construção da sua progressiva autonomia para gerir tempos e espaços, planejar atividades, gerir a informação, participar na sua avaliação, exercer os direitos de cidadania. Nesta escola, tem vindo a ser construída uma resposta pedagogicamente coerente, e eficaz, para lidar com a heterogeneidade do público escolar.

É exemplar o modo como, nesta escola, são integrados e resolvidos os problemas dos chamados alunos difíceis ou com necessidades especiais. O modo original de organizar o trabalho escolar dos alunos tem a sua contrapartida num modo, igualmente original, de organizar o trabalho dos professores.

É particularmente estimulante a maneira como se reequacionou a articulação entre trabalho individual e coletivo e entre generalismo e especialização, com base num coletivo de professores que constroem e exercem uma autonomia não outorgada e que não admite tutelas.”

Por essa altura, a celebração do primeiro “contrato de autonomia” entre um ministério e uma escola já estava anunciada. Mas, ainda iríamos ter de enfrentar muitos obstáculos.

 

 

Por: José Pacheco